sábado, 11 de maio de 2024

S. TOMÉ: VER E OUVIR PARA CRER

 

Sempre fui bastante cético em relação à utilidade e eficácia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Não por razões de princípio (a defesa da língua constitui um valor que devemos cultivar) mas pelas razões de facto de vária ordem que a evidência histórica tem vindo a fazer ressaltar com base em traumas do passado longínquo, em erros do passado recente (descolonização), em alinhamentos diferenciados e desencontros políticos manifestos e em mitos despropositadamente alimentados.
 
A assinatura de um acordo de incidência militar entre a República de S. Tomé e Príncipe e a Federação Russa é apenas o último ato deste pouco edificante processo em que Portugal quase procura forçar os Estados que foram suas ex-colónias a participarem de uma CPLP que pouco lhes diz e que não cabe nas suas preocupações estratégicas. O Brasil é a potência mundial que é e tem as suas escolhas internacionais estabilizadas em torno do “Sul Global”, de uma compaginação com uma nova ordem que seja de iniciativa da Rússia e/ou da China e de elites cujo modo de estar é completamente pró-americano e alheio à Europa. Angola é o que se conhece, sempre reticente (quando não ostensivamente afrontativa) em relação a Portugal. Moçambique idem, embora com nuances; oscilando entre namoros à Commonweath e aproximações de cooperação muito positivas. Da Guiné-Bissau nem é bom falar, perdida entre uma liderança política altamente duvidosa e um Estado cuja natureza tende para a desgraça de capturas destruidoras; ao que se soma a “amizade profunda” que liga Embaló a Putin. Temos depois a lamentável presença na CPLP da Guiné Equatorial, um facto concretizado em 2014 com o interessado apoio de alguns e a covarde anuência de outros. E sobram, assim, a exemplaridade de Cabo Verde e a posição relativamente aceitável, mesmo que bastante inaudível e algo dançarina, de Timor-Leste.

O quadro é de uma fragilidade absoluta e apenas um voluntarismo néscio, sobretudo por parte de sucessivas autoridades portuguesas, tem permitido que a CPLP ainda não tenha deixado de dar alguns sinais mínimos de vida. Do meu ponto de vista, alguma frontalidade objetiva seria altamente desejável para que não fizéssemos o triste e apatetado papel que vários dos nossos dignatários, com Marcelo à cabeça, têm vindo a desempenhar, assim contribuindo para uma clara descredibilização do País. Acresce, no caso de S. Tomé, a desconstrução por parte do seu primeiro-ministro de uma ideia peregrina que há décadas tanto circula na boca das elites políticas portuguesas: a de sermos para países terceiros, e por maioria de razão também para os da CPLP, a “porta de entrada” na Europa ou o melhor garante de um eficaz relacionamento com a Europa. Haja lucidez e algum senso comum, meus senhores!

Sem comentários:

Enviar um comentário