(Este post poderia ter o título alternativo de Europeias Take 3, mas optei por eleger uma frase destacada de um determinado contexto e manter-me fiel à sua expressão em francês não é por acaso. De facto, estou seguro que a entrevista de Emmanuel Macron à revista The Economist, em segunda edição face à também importante entrevista de 2019, constitui uma peça política de análise obrigatória e, em meu entender, incontornável do contexto que nos vai conduzir às eleições europeias de junho próximo. Já por repetidas vezes defendi aqui neste espaço que Macron não tem conseguido manter a coerência na sua ciclópica tarefa de se dirigir à França insubmissa e à Europa em termos compatíveis. Mas por mais que me esforce em procurar na cena europeia alguém com espessura e robustez suficientes para colocar os Europeus perante o seu futuro tenho muita dificuldade em encontrar alguém próximo da envergadura de Macron. Dirão os mais céticos que esse é o problema da União e que Macron não chega para o que efetivamente precisamos. Talvez tenham razão, mas não é com essa declaração de insuficiência que resolveremos os nossos problemas. E a entrevista de Macro à Economist não pode ser ignorada. Não conheço até agora alerta tão sensível e robusto que vem na sequência do seu mais importante e último discurso público. E, por isso, o lançamento das Europeias deve ganhar embalagem com esta maneira de sacudir os Europeus, as suas instituições e os seus líderes. Não vale a pena creio eu acenar com os prováveis e ocultos interesses de defesa do posicionamento francês. Macron é Presidente da França e não lidera qualquer uma das instituições europeias. Mesmo nesse contexto quando comparamos a robustez desta entrevista com a posição de rabinho entre as pernas de Ursula von der Leyen, abrindo-se a diálogo com a direita radical que quer destruir a Europa tal qual a conhecemos, estremeço de tanta incomodidade.)
Afirmar na Sorbonne, alto e com bom som, que a Europa pode morrer não está ao alcance de muitos. Mas esse alerta não é furtivo ou meramente circunstancial, está cheio de coerência e de argumentos sólidos. O pensamento que subjaz a esta importante entrevista combina o aprofundamento de três riscos que simultaneamente a Europa enfrenta. Primeiro, o risco geopolítico que eclodirá se a Rússia não for contida e derrotada na Ucrânia. Segundo, o risco combinado da exposição europeia à aceleração tecnológica em que a Europa está a perder a reatividade necessária e do impacto da economia chinesa e dos seus desenvolvimentos nos países motores da União. Terceiro, o risco da erosão fatal da democracia, medida por exemplo pela perda de pudor dos posicionamentos radicais de extrema-direita (vejam-se, por exemplo, as propostas de nomes e o seu “belo” curriculum de alguns candidatos às eleições de junho, com destaque para o que se passa nessa matéria em Itália com o partido de Salvini).
Mas se houve matéria que me impressionou nesta entrevista foi a da segurança europeia e por isso elegi a matéria da dissuasão (sim, incluindo a nuclear) como aspeto central da soberania neste contexto de belicismo agravado. Há muito tempo que não via uma análise tão fria e objetiva quanto à dependência que a União Europeia mantém em relação à NATO e à absoluta necessidade de sem deixar de continuar a percorrer esse trilho suscitar a verdadeira questão da segurança europeia em termos tais que possa erguer-se a fator de dissuasão no contexto bélico atual. Em coerência com esta desassombrada perspetiva, Macron analisa com perspicácia a necessidade de continuar a promover todas as formas possíveis de cooperação com países que estão fora da União, como o Reino Unido e a Noruega, mas que devem ser considerados nessa perspetiva mais alargada de segurança da Europa. E, sem medo das palavras, afirma q. ue “se queremos construir um conceito estratégico eficaz e credível de defesa comum, que é prévio a um quadro comum de segurança dos Europeus, é necessário que o nuclear seja integrado na reflexão, com os limites conhecidos dos compromissos assumidos e sem os alterar”.
Entre outras matérias que valerá a pena talvez noutra oportunidade dissecar com atenção é a cuidadosa avaliação do que deve ser feito em relação à China e do seu papel na pretendida estabilidade internacional. Esta referência é indissociável do tema que Macron suscita para a reflexão sobre a modernização da Organização Mundial do Comércio, sobretudo no quadro em que EUA e China prosseguem uma guerra aberta em matéria de subvenção de setores considerados críticos para o desenvolvimento das suas economias.
Enfim, espessura e densidade abundam nesta entrevista. Por isso, Macron pode inspirar-nos todas as dúvidas e interrogações, mas indiquem-me na Europa outra VOZ com esta qualidade e profundidade de pensamento estratégico. Não encontro. Podem dizer-me que esse é o drama da nossa insuficiência. Mas não é com esse atavismo que resolveremos os nossos problemas de Europeus. Por isso, talvez valha a pena ouvir melhor o que o Presidente francês tem para nos dizer.
Correção de gralha: dissuasion e não disuassion.
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