(A perspetiva conjunta, simultaneamente económica e política, de análise da sociedade espanhola não deixa de nos surpreender, de modo recorrente. Se estivermos atentos, é comum ouvirmos lideranças institucionais importantes, internas como o Banco de Espanha, e internacionais, como a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional a alertar paras as consequências possíveis do desconchavo político que tem acompanhado os acordos de viabilização da governação do PSOE e SUMAR. É um pouco a história do lobo que se repete. Ele vem aí e não convém por isso abusar da sorte. Mas tenho sérias dúvidas de que se trate de uma questão de sorte. Pese embora o seu endividamento, que algum dia ditará as suas leis de constrangimento de margens de manobra, a economia espanhola continua a dar cartas. A cada dia surgem notícias favoráveis e não parece que elas provenham de alguma central de informação pró governo. O Banco de Espanha acaba de anunciar a revisão em alta do PIB espanhol para 2024, fixando o crescimento em 1,9%. O rendimento real das famílias espanholas aumentou em 2023 5,16%, tendo superado o valor atingido antes da crise de 2007, destacando-se no universo dos países da OCDE. E não menos importante, em abril último, o número de trabalhadores inscritos na Segurança Social ultrapassou os 21 milhões estabelecendo um outro recorde de emprego registado e assalariado. Quem leia os queixumes de Feijoo e da sua azougada companheira de partido Isabel Ayuso imagina o pior, mas surpreendentemente a fragilidade política, indiscutível, não se repercutiu ainda nos números da economia. Creio que também passam por aqui as dificuldades do PP em afirmar-se como alternativa de governação, embora a generalidade das sondagens assinale que esse dia virá. Interrogo-me por isso sobre as razões que explicam esta separação de efeitos e a isso dedico o post de hoje.)
Parece-me que, antes de mais nada, o empresariado espanhol é muito pragmático. Protesta quando tem de protestar contra as arbitrariedades do Governo, mas tende a separar as águas e não será pelos amores a Feijoo ou a Ayuso que rejeita aproveitar as oportunidades que o mercado nacional e internacional lhes oferece. Comparando com a situação portuguesa, e acompanho de perto os jornais espanhóis, é menos frequente assistir-se a tomadas de posição grandieloquentes das principais confederações empresariais, como por vezes assistimos nos horários nobre das televisões portuguesas. Este maior pragmatismo explicará a persistente dinâmica económica e até acho que o governo de Sánchez só em condições de muito aperto recorre aos números da economia para justificar o seu governo.
Mas penso que pode existir um outro fator a pesar nesta aparente resiliência da economia face à fragilidade política. A questão regional e a consistência de algumas das suas comunidades autónomas históricas (a Catalunha é exceção recente mas isso deve-se ao destempero aventureiro dos independentistas) representam uma importante almofada de resistência económica, ao serviços dos números que a Espanha como um todo tem apresentado. E nem sequer o facto de a instabilidade política ter começado a pesar em algumas das situações regionais tem atenuado esse papel de almofada.
Por isso, os alertas de que o lobo vem aí (temos de convir que a imagem é mais elegante do que a do diabo de Passos Coelho) terão provavelmente de esperar mais algum tempo, oferecendo à oposição espanhola uma conclusão importante. terá de ser no plano político e não à boleia da economia que arredará Sánchez do poder.
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