terça-feira, 21 de maio de 2024

QUE PROVA DE VIDA PARA O GOVERNO?

 

(Na altura em que escrevo não é ainda possível confirmar se Fernando Alexandre, ministro da Educação e de mais qualquer coisa, conseguirá alcançar o acordo esperado com os Professores, neste caso com assentimento da FENPROF e do STOP, ossos mais duros de roer do que os sindicatos mais tenrinhos que já assinaram o acordo para a recuperação do tempo de serviço. Independentemente de quem o concretizar, o acordo é crucial para a pacificação necessária das Escolas e todos sabemos que sem Professores motivados haverá que rebaixar expectativas e são tantas as que se pedem às Escolas, como se elas pudessem por si só resolver questões candentes a montante e a jusante da sua atividade. Assim, se o acordo for confirmado é uma prova de vida importante para Montenegro e para o Ministro, embora tenhamos de convir que o contexto hoje existente é bem mais favorável a essa pacificação do que o era nos tempos conturbados da governação de António Costa. A minha interrogação justifica-se porque até agora essa prova de vida partira para parte incerta. A inépcia do ministro Miranda Sarmento, a difícil entrada em cena da ministra da Saúde que até exasperou a amiga Ordem dos Médicos, as argoladas do ministro Melo e o caráter mais ou menos alucinado das aparições públicas da ministra do Trabalho e da Segurança Social, obcecada pelo apear de Ana Jorge na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, faziam antever o pior em termos de provas de vida, talvez confirmando as dificuldades que estiveram associadas à formação do governo de Montenegro. Devo dizer, entretanto, que sem contar com o acordo de Fernando Alexandre com os Professores, uma Ministra do governo de Montenegro tem tido afirmações e anúncios de tomadas de posição que me inspiram alguma esperança e, como sabem, não morro de Amores por um governo da AD. Essa ministra é a da Cultura e posso explicar porquê.

A ministra Dalila Rodrigues tem uma vasta experiência académica e profissional nas áreas do património e da museologia e desse ponto de vista pode ser encarada como um nome indiscutível na equipa governamental. A minha curiosidade vem do facto de, em meu entender, a mediatização da ação governativa de Pedro Adão e Silva ter gerado uma perceção de boa governação, claramente desproporcionada face aos resultados concretos alcançados e sobretudo ao modelo de intervenção pública em algumas das entidades que configuram a oferta cultural. Até sei explicar essa divergência entre perceção da qualidade da governação e efetividade da mesma. A boa imprensa que Pedro Adão e Silva sempre teve a seu lado insere-se na vasta influência que o universo do ISCTE tem no universo das políticas públicas portuguesas, de um ISCTE que se transforma em diferentes entidades para aparecer no mercado, e no mercado da consultadoria conheço perfeitamente a prática de influência dessa instituição, fruto da ação de liderança de uma Reitora, Maria de Lurdes Rodrigues, que não brinca em serviço.

Nos últimos dias, Dalila Rodrigues veio a terreiro afirmar que vai seguir uma via diferente no modelo de apoio aos museus nacionais, adotando práticas e soluções de atribuição de maior autonomia às organizações, dotando-as dos recursos financeiros, técnicos e humanos que tornem possível o exercício virtuoso dessa autonomia. Obviamente que entre a retórica do que pensa fazer-se e as repercussões concretas dessas decisões vai uma possível grande distância e por isso prefiro ministro(a)s que anunciam medidas concretas já em aplicação do que intenções de decisões futuras. Mas, neste caso, acredito que Dalila Rodrigues esteja no rumo certo a favor de uma maior autonomia das instituições museológicas, aliás a única que me parece compatível com a modernidade das políticas culturais e com a valorização da criatividade de quem dirige as instituições e de quem se movimenta em busca de financiamento complementar ao financiamento público. E a questão tem mais interesse porque, escondido na tal boa imprensa que Pedro Adão e Silva sempre teve (e que famílias abundantes de cumplicidade essa boa imprensa tende a gerar), ninguém reparou que a ação do anterior ministro da Cultura, embora pacificando o setor dos apoios, reduzindo as zangas entre comadres criativas ao mínimo, acabou por ter uma orientação extremamente centralizadora designadamente no campo dos museus. Tudo se passou como se Pedro Adão e Silva não acreditasse lá muito na criatividade e capacidade de liderança fora do raio de ambição da capital, resguardando-se por isso na ação de um núcleo que o apoiava e alegremente defendia os interesses da corte centralizada.

Ora, se a nova ministra da Cultura está de facto interessada em contrariar essa visão míope da criação cultural em Portugal, só isso justificará a sua passagem pelo Governo. E não se admirem que a tal boa imprensa se abespinhe toda com essa ousadia.

Para monitorização atenta.

 

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