sábado, 5 de abril de 2025

O FUTURO JÁ NÃO MORA ALI

 

                                                                (Adam Tooze)

(A crónica de hoje, fruto de mais uma passagem pelo meu refúgio em Seixas, é inspirada por um texto de opinião de autoria do jornalista americano Thomas L. Friedman, o autor do best-seller O Mundo é Plano, apologia da globalização, publicada no New York Times, edição internacional, nesta última sexta-feira. O jornalista americano acabou de visitar o gigantesco centro de investigação da Huawei em Shangai, equivalente a aproximadamente 225 campos de futebol. Friedman faz eco de uma afirmação que lhe foi dirigida por um empresário americano com uma larga experiência de trabalho na China, que pode ser resumida nas seguintes palavras: “Já houve um tempo em que as pessoas iam aos EUA para ver o futuro. Hoje já não é assim, vêm à China”. Este pareceu-me ser o mote certo para descrever o enquadramento do dia nacional da ruína, como lhe chama o Economist, e não o dia da libertação nacional que Trump pretendeu assinalar com a sua icónica mas não menos ridícula aplicação generalizada de direitos aduaneiros, e não tarifas como erradamente se está a traduzir para português as “tariffs”, às importações de uma vasta massa de países. É que a decisão de Trump, apesar de poder ser anunciada como um grito de revolta e afirmação da superioridade americana, é afinal em meu entender um indicador das dificuldades em que a economia americana se encontra para rivalizar com a afirmação do gigante chinês. A perspetiva do empresário americano que conversou com Friedman identifica bem o problema, os EUA já não são o farol de novidade que já foram e o “tarifão” como lhe chamam os brasileiros equivale a um procura de isolacionismo que, ou muito me engano, irá com o tempo despertar a ira do mundo do business americano. A vasta descida de impostos que a administração americana tem em mente para agradar a esse segmento talvez não valha o mesmo do que a exploração das oportunidades da economia global, cerceadas por esse isolacionismo.)

Já tenho escrito neste espaço que a tribo dos (macro) economistas é conhecida pelo seu eterno conflito de paradigmas interpretativos. O chamado “mainstream” da ciência económica não a esgota, antes a domina através de sofisticados mecanismos de reprodução do poder de orientação da produção de novas ideias, mais propriamente a investigação de Phd’s e a validação entre pares para a publicação dessa investigação científica. Ora, conforme vem sendo assinalado, Trump operou um milagre notável, colocou de acordo essa tribo, unânime na denúncia das múltiplas contradições em que a aplicação em vasta escala de direitos aduaneiros às importações está enredada.


Isto acontece apesar das tentativas desesperadas de algumas personagens para insinuar que por detrás da decisão de Trump está uma perspetiva não académica, mas alicerçada em sentido prático. Ontem, no Expresso da meia-noite duas jornalistas económicas da SIC e do Expresso pretenderam seguir essa via, invocando uma delas as práticas do “private equity”, alertando para que Trump tem a trabalhar com ele os maiores especialistas americanos nessa modalidade de investimento financeiro. Valha-nos Deus, que estava presente no debate, embora à distância, Francisco Louçã que arrasou por completo as duas jornalistas económicas, demonstrando uma vez mais quão pobre é a cultura macroeconómica do nosso jornalismo. Louçã, com a sua proverbial clareza e contundência de pensamento, mostrou que, ao contrário do que estava a ser dito, o que era esperado do “tarifão” era uma apreciação do dólar e não uma depreciação do mesmo para segundo os especialistas do “private equity” gerir melhor a gigantesca dívida americana. A depreciação que está a ser observada refletirá antes pelo contrário o medo dos mercados pelo ambiente de indeterminação que está criado e pelos riscos de recessão alargada que estão criados.

De facto, o que a teoria económica nos diz é que os direitos aduaneiros tenderiam a reforçar o dólar. Krugman explica essa tendência com a clareza habitual: “A análise económica padrão diz-nos que os direitos aduaneiros fortalecem a moeda do país que os aplica. Se os EUA aplicam impostos às importações, isso desencoraja os negócios e os consumidores de comprar mercadorias estrangeiras, o que reduz a oferta de dólares necessária ao mercado externo de divisas, devendo assim fazer subir o valor do dólar”.

No ambiente de indeterminação que se vive e com a probabilidade de a inflação americana poder acentuar-se não é possível antever qual o comportamento dos mercados nos próximos dias.

Mas o que é visível e cristalino é que a ideia de que os direitos aduaneiros poderão impulsionar a reabilitação industrial da economia americana é peregrina, sobretudo no contexto em que o mapa dos direitos aplicados não obedece a nenhuma lógica de robustecimento da produção nacional. A incompetência foi levada ao rubro de taxar países que não exportam praticamente para os EUA, por exemplo países que exportam apenas diamantes, sendo por isso difícil imaginar que por via dos direitos aduaneiros aplicados vai ser possível estimular a inexistente produção de diamantes nos EUA. O mesmo se poderia dizer quanto à penalização de alguns países exportadores agrícolas, como se a economia americana pudesse transformar-se de repente num produtor agrícola além da sua especialização cerealífera, tanto mais que por outra via Trump deporta imigrantes que serial a principal fonte de mão de obra para essas atividades produtivas. A administração Trump raciocina como se as cadeias de valor global não estivessem instaladas, mesmo que em ambiente fraturado.

Podem dizer-me que a economia americana tem dimensão suficiente para uma espécie de autossuficiência relativa. É verdade. Mas o problema que está a ser escamoteado é a impossibilidade de uma transição rápida para que a produção nacional comece a ser dominante em alguns setores de atividade. A participação da economia americana na divisão internacional do trabalho determinou, compreensível e inevitavelmente, a perda de competitividade e de aprendizagem num conjunto vasto de setores em que a lógica das vantagens competitivas as afastou da produção nacional. Inverter essas lógicas de perda de capacidade de conhecimento e de aprendizagem implica tempo e sobretudo um esboço que seja de política industrial, matéria proscrita na administração Trump, rejeitando em pleno o ressurgimento da política industrial operado pela Bideneconomics.

Não consigo antecipar se todos os que sucumbiram ao apelo comunicacional do MAGA o associaram a uma ideia de isolacionismo. Porque não é seguro que a maioria dos países reaja a este ditame com investimento direto estrangeiro nos EUA para daí poder produzir e afastar a hipótese de tributação das suas exportações para o território americano. Assim sendo, grande parte desses países tenderá a diversificar as suas exportações e o seu posicionamento nas cadeias de valor globais. É impossível por agora antecipar se isso tenderá a reforçar a posição da China e dos países da Eurásia. Mas é uma possibilidade real. Até porque como dizia o empresário americano entrevistado por Thomas L. Friedman em Pequim, o futuro já não mora lá (leia-se nos EUA).



1 comentário:

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