(De novo pressionado por afazeres de trabalho, encontro uma pequena aberta para regressar ao tema central do blogue nestes últimos dias, a narcísica e troglodita disrupção que Trump está a introduzir na economia americana e também na economia mundial, na antecâmara de uma guerra comercial de grandes proporções. Vou apoiar-me em dois contributos de Brad DeLong (aqui e aqui), pois é nestas ocasiões que os grandes economistas são de consulta necessária, pois basta estar atento ao coro de vozes mentecaptas que ladeiam e procuram justificar o inclassificável rumo a que Trump está a condenar os americanos para compreender que não vale perder tempo com toda essa acéfala gente, mas antes ouvir quem continua a manter a lucidez de pensamento e de escrita. DeLong refugia-se noutro economista dos Grandes, Charles P. Kindleberger, para o ajudar a pensar o que pode muito bem degenerar numa crise internacional de grandes proporções. A analogia é com os acontecimentos da Grande Depressão iniciada com, mas não equivalente ao crash de 1929, mas a todo um encadeamento de efeitos de contágio internacional que conduziu a economia mundial a uma depressão verdadeiramente global, não esquecendo a falência do maior banco austríaco de então que provocou uma série de outras falências de bancos no leste e no centro da Europa. A instabilidade transmite-se no tempo e no espaço através da interpenetração de diferentes crises de confiança. A desconfiança e a indeterminação internacionais estão ao rubro por todo o lado, menos nas preocupações de Luís Montenegro, que continua a tentar tomar-nos por parvos e a não reconhecer que deveria ter encerrado a famigerada empresa, porque só com essa opção eliminaria a suspeição do seu controverso modelo de interpretar o exercício da política, eticamente falando...)
A analogia com a história do BREXIT invocada por DeLong é curiosa, a dois níveis. Primeiro, porque os efeitos penalizadores para a economia do Reino Unido provocados por esse disparate político não foram imediatos e estão agora a tornar-se mais claros.
O gráfico que abre este post evidencia bem como a economia do Reino Unido foi suplantada pela europeia, ou seja, quem foi penalizado foi quem forçou o pretenso isolacionismo e sabemos como politicamente não há coragem que baste para reverter a estupidez de entender a insularidade como uma forma de isolamento. Bem podem os Conservadores assobiar para o lado, pois as sombras do BREXIT continuarão a pairar sobre o partido durante bastante tempo, enquanto o Labour continuará a debater-se com as suas próprias fragilidades que têm comido parte do excedente eleitoral das últimas eleições. Dificilmente o Reino Unido recuperará a perda de 10% no seu produto potencial que o BREXIT provocou.
A ideia do TRUMPXIT tem obviamente a sua origem no facto dos EUA terem abandonado voluntariamente o seu estatuto de prática da chamada hegemonia benevolente, o país dominante a que se recorre em último recurso para iniciar a estabilização. Ao contrário do BREXIT, que é uma rotura com a Europa (e os sucedâneos previstos pelos teóricos dessa rotura correram mal, como sabemos) o TRUMPXIT é uma rotura com o mundo, embora desagradável no trato com a Europa. Essa rotura com o mundo equivale a destruir toda a confiança que parte da economia mundial depositava no tal estatuto de hegemonia benevolente assumida pelos EUA desde que entrou na Segunda Guerra Mundial, com sobressaltos, como é óbvio, mas logrando manter esse estatuto de estabilizador em última instância da economia mundial.
“Porque é que isto importa? Porque a moderna globalização – o nosso complexo e interligado mundo de transformação industrial just-in-time, de redes financeiras e de inovação transfronteiriça – não evolui apenas em embarcações de contentores e cabos de transmissão de dados, mas também através da confiança. A confiança que dá origem a contratos que são cumpridos, a regras que são consistentes, a governos que não intervêm arbitrariamente. A confiança que quando se monta uma fábrica cria uma cadeia de oferta ou financia um projeto, as condições básicas em função das quais as condições básicas em que essa decisão se baseou continue a aplicar-se no futuro.
Essa confiança foi-se. Os EUA já não são um parceiro económico de confiança. A sua volatilidade política interna – simbolizada, mas não limitada à ascensão de Trump – gerou uma situação em que as regras podem mudar a qualquer momento, por decreto, por razões que não têm nada que ver com a economia e tudo a ver com os agravos políticos.”
Poderão perguntar-me: mas será isto o fim da globalização?
Não o fim, mas a emergência de uma nova era, com o núcleo mais dinâmico a deslocar-se para os lados da Ásia e provavelmente com a China e a Índia a emergirem daqui a menos de 30 anos como as economias de maior dimensão no mundo.
Já quanto ao que vai substituir a tal hegemonia benevolente americana tenho mais dúvidas, sobretudo porque, no plano da governança, a economia mundial continua frágil. E no interior dos EUA esperemos que seja a economia a destruir a arrogância narcísica de Trump e a sua corte de mentecaptos bajuladores.
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