(É o assunto económico de momento e este meu espaço de blogue tem dificuldade em escapar à sua influência. Todos os cronistas de renome internacional com presença na blogosfera económica têm escrito sobre o assunto. Dou conta por isso do frenesim interpretativo que circula pelas principais revistas. Também o Economist, pela pena de Adam Roberts, a ele dedica a atenção devida. Fá-lo invocando por comparação com o que foi observado no Japão nos anos 90. Recordo-me que na minha disciplina optativa de Ciclos Económicos que lecionei na FEP e onde estudámos as crises cambiais asiáticas e a situação de estagnação económica prolongada que a economia japonesa atravessou naquele período, o chamado “triplo yasu” aconteceu quando também em simultâneo se registou a queda do mercado bolsista, a subida dos yields dos títulos designadamente dos do Tesouro e a queda do valor do yen. Mas, ao contrário do observado no Japão, em que o yen não era uma moeda hegemónica nas trocas internacionais, algo de similar está a acontecer nos EUA atingindo com algum estrondo a moeda dominante. Quer isto significar que a situação de “privilégio exorbitante”, a quem alguém - Barry Eichengreen, "Exorbitant Privilege: the Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System", Oxford University Press, 2012, chamou a capacidade do dólar se impor nesse estatuto hegemónico e assim permitir aos EUA o financiamento permanente dos seus défices orçamental e externo corrente, pode estar em risco e assim baralhar as contas da errática administração Trump. Se essa tendência se reforçar, seja por movimentos de pânico e desconfiança irreversível entre os investidores, seja pela teimosia do gangue de Trump, é o próprio sistema financeiro internacional que sofrerá de novo um abalo significativo, pois ele foi concebido no pressuposto que os títulos do Tesouro americanos e os seus derivados representavam um investimento seguro.)
Até aceito que, entre os apaniguados de Trump, a possibilidade de ganhar uns milhões em processos de arbitragem tornados possíveis por informação de “inside trading” a propósito da errática política aduaneira que tem sido praticada terá sido bem apreciada. Mas duvido que essa ganância especulativa tenha pressentido que uma crise financeira sistémica poderia estar a ser gerada e que a hegemonia do dólar pudesse estar em risco.
Em matéria de comunicação, mesmo que insidiosamente trabalhada através dos seus órgãos de estimação, combinar a ambição do MAGA com a queda da hegemonia do dólar e a sua inesperada depreciação não vai ser tarefa fácil. Só posso compreender os sucessivos e imprevistos recuos de Trump em matéria aduaneira à luz da sua incapacidade de antecipação deste pouco canónico comportamento dos mercados. E, como se sabe, até o anunciado e possível efeito de receita fiscal gerado pelos direitos aduaneiros quando eles não conduzem a zero de importações, pode ser engolido pela subida dos yields dos títulos. Além disso, o endividamento líquido do Governo Federal monta já a 100% do PIB americano.
Se este cenário se agravar, teríamos o paradoxo do discurso fanfarrão de Trump que apontava a dobrar os seus principais parceiros (inimigos) comerciais se voltar contra si próprio, provocando mais danos a nível interno do que a nível externo.
E, tal como Adam Roberts o relembra com pertinência, alguns Bancos do sistema da Reserva Federal estão a trabalhar com expectativas de inflação de 3,5 a 4%, sendo as previsões alimentadas pelos consumidores ainda piores, estimando taxas de inflação de 6,7% para o próximo ano.
É conveniente recordar que foi a inflação o principal fator de distorção das perceções quanto à administração Biden. Foi a inflação e a degradação dos rendimentos reais de alguns grupos de população que alimentaram a perceção de que a economia americana estava num mau momento e que a campanha eleitoral dos Democratas não conseguiu inverter.
Tal como o tenho sugerido em posts anteriores, sendo de esperar tudo e mais alguma coisa de uma administração tão arrogante e maléfica como a de Trump, dificilmente a Reserva Federal estará a salvo da tentativa de intromissão política na sua independência. Mas se isso vier a suceder ainda mais compreensivelmente se agravará a perda de confiança internacional na hegemonia do dólar e no sistema financeiro internacional concebido no pressuposto de que os títulos e moeda americanos são porto seguro para os investidores.
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