quarta-feira, 9 de abril de 2025

DISCUTINDO A POSSIBILIDADE DE UMA CRISE FINANCEIRA SISTÉMICA

 


 (Caros leitores, devo confessar que se há matéria na qual me sinto um aprendiz em permanência é a da leitura e interpretação dos mecanismos do sistema financeiro. Ao facto de nunca ter sentido qualquer impulso para estudar a matéria em profundidade, acresce que não tenho qualquer experiência prática de manipulação dessas ferramentas e produtos, pelo que, sensatamente, baseio-me regra geral nos economistas que considero de confiança à prova de bala, teórica e empiricamente. É esse o caso, por exemplo, do economista e historiador, cujo Chartbook sigo regularmente e a quem se deve o conceito de “polycrisis”, Adam Tooze. Este economista já esteve em Lisboa em eventos organizados pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e é alguém crescentemente lido em Portugal. A ele se deve uma das interpretações mais sólidas do ambiente de instabilidade de mercados gerados pelo Liberation Day de Trump, que muita gente batizou de diferente maneira como, por exemplo, o dia da Estagnação, referindo-se ao mapa da imposição de direitos aduaneiros como o mapa da morte. Recordando que o conceito de “polycrisis” abrange regra geral um conjunto de choques desconexos provenientes de diferentes origens que se potenciam mutuamente, gerando o que normalmente se sintetiza com a ideia de que a soma é pior do que as partes. Partindo deste alerta, creio que a leitura de Tooze é a que melhor nos elucida sobre a hipótese do tal dia fatídico desencadear uma crise financeira no curto médio prazo, tomando consciência que quer a hipótese de recessão, quer a da manifestação dos efeitos de longo prazo do choque dos direitos aduaneiros acontecem numa outra linha do tempo. Do ponto de vista do efeito ricochete que as medidas de Trump poderão provocar nos seus apoiantes que não pertencem ao movimento MAGA, estes segui-lo-ão até à morte como cachorros dedicados e fiéis, a interpretação das evidências dos últimos dias fornecida por Adam Tooze é de grande utilidade para termos uma perspetiva fria e fundamentada, e não emotiva, dos riscos que a destemperada intervenção de Trump traz consigo.)

Uma distinção importante que Tooze traz ao debate é a que temos de fazer entre mercado de ações (a chamada Bolsa) e o mercado de títulos, mercado complexo que integra coisas desde o efeito refúgio dos Títulos do Tesouro americanos até aos títulos de maior risco e consequentemente preço mais elevado, os chamados junk bonds.

A primeira manifestação que chocou os investidores foi a da queda da bolsa. A descida significativa do valor das ações significa que a governação Trump 2.0 está a gerar dúvidas entre os investidores, que o pessimismo sobre os efeitos que atingirão as empresas americanas mais globalizadas está instalado e que o risco de uma recessão começa a entrar no cálculo económico desses mesmos investidores. Indevidamente, a centralidade da relação entre o comportamento da Bolsa e o estado da economia pode ser ilusória e/ou errada para a inferência do estado da economia.

Penso que Tooze tem razão quando afirma que a monitorização dos acontecimentos deve prestar atenção a uma outra variável, neste caso, o comportamento do mercado de títulos. Se o valor das ações está a descer brusca e significativamente é porque as vendas estão a processar-se a um ritmo acelerado. A questão que se levanta é onde vão ser aplicados os montantes de liquidez associados a tais vendas?

O que a teoria e a experiência nos dizem é que esse dinheiro será parqueado no mercado de títulos (o ouro é uma outra possibilidade), que tanto pode envolver os 28 milhões de milhões (trillions) de dólares de títulos do Tesouro ou os títulos de risco elevado (junk bonds) que normalmente asseguram um rendimento fixo elevado.

O que está a acontecer nos últimos anos é a subida dos rendimentos (yields) dos títulos de risco elevado, traduzindo de certo modo o preço do risco de bancarrota. Com a subida desse risco, os investidores só aceitam refugiar-se nesse tipo de títulos com rendimentos (yields) mais elevados.

Mas como Tooze o lembra com pertinência, não podemos ignorar o que tenderá a acontecer no mercado de títulos do tesouro. Estes representam para os investidores o que para os navegadores significa um porto seguro. O dinheiro resultante da libertação das ações parqueia em títulos do tesouro fazendo subir os preços desses títulos, mas, em simultâneo, fazendo descer os yields (a taxa de juro efetiva) desses títulos. O que significa que poderão ocorrer dois movimentos de sentido contrário: por um lado, os riscos inflacionários e de instabilidade das medidas de Trump farão subir os yields dos títulos de longo prazo e o aumento de procura dos títulos do Tesouro tenderá a fazer descer a taxa de juro efetiva desses títulos.

A possibilidade de descida da taxa de juro efetiva associada aos títulos do Tesouro será obviamente cavalgada por toda a administração Trump. Mas a possibilidade de pânico pode ocorrer e se isso acontecer a venda em massa de títulos do Tesouro pode ser uma possibilidade e lá se vai a ideia do porto seguro. Ora, como é agora fácil de compreender, a possibilidade de descida simultânea do valor das ações e dos yields dos títulos do Tesouro é por si só causadora de pânico financeiro. Nesse caso, a administração Trump ficará dependente do comportamento do Banco da Reserva Federal (Banco Central americano). Mas não devemos esquecer que por vezes a injeção de liquidez (comprando títulos do Tesouro) por parte do FED pode não ser suficiente.

Qual pode ser a razão para isso poder acontecer. Nada mais nada menos do que os investidores acharem que o mercado americano não é confiável, porque a política económica aí praticada também o não é.

Refira-se que essa sequência não está ainda instalada nos mercados e a administração Trump agarrar-se-á a essa jangada com toda a força comunicacional que puder desenvolver na sua imprensa e televisão apaniguadas.

Sem comentários:

Enviar um comentário