quinta-feira, 10 de abril de 2025

SOBRE A DERIVA DE UM GOVERNO QUE VAI A ELEIÇÕES

 


(Regresso à mediocridade da política nacional para não ser acusado de me interessar apenas pelo abismo em que o mundo está mergulhado. Ao contrário do que poderia pensar-se e apesar de alguns se considerarem abrigados nesta periferia atlântica, as duas coisas estão ligadas. Há tiques que se observam na governação atual que vão na linha das tendências que as forças de direita e centro-direita vão apresentando na sequência da entrada em cena do populismo animado pela direita mais extrema. Sabemos que, desnecessariamente, a teimosia de Luís Montenegro em querer plebiscitar em eleições a sua errada interpretação do conflito de interesses em que se colocou, transportando para o cargo e para a governação a sua videirinha maneira de estar na política, foi acompanhada do ainda mais errado envolvimento de todo o Governo nas esfrangalhadas e erráticas tentativas de explicação do injustificável. E, de facto, os membros do Governo podem ser acusados de tudo menos de falta de lealdade para com o primeiro-Ministro. Quer isto significar que para a AD de Montenegro e Melo o que estará em questão nas eleições de 18 de maio de 2025 não será a avaliação de um programa de governo, mas antes a governação concretizada até ao ato eleitoral, pois mesmo em gestão, ele não deixa de continuar a trabalhar para esse desiderato – aquilo que estamos a fazer na governação vale bem e compensa a inépcia do primeiro-Ministro em não se libertar da sua videirinha maneira de fazer política. Não tenho dúvidas de que a orquestra está afinada e não há membro do Governo que não dê mostras de que sabe bem o que lhe cabe tocar na partitura. E perante a evidência dos tiques de governação que vão sendo evidenciados nos jornais e nos ecrãs das televisões, só posso interrogar-me desta simples maneira – se isto acontece em minoria política precária e obrigada a justificar o que não tem explicação, o que teríamos pela frente se o contexto político fosse outro? A força da partitura comunicacional é tão forte que o desvelo em justificar a cobertura dos erros do primeiro-Ministro à custa do risco da instabilidade política atinge todo o Governo, incluindo os membros com ”menos agenda partidária” como o são, por exemplo, Fernando Alexandre na Educação e Rita Júdice na Justiça.)

Vou destacar apenas alguns aspetos nesta minha breve reflexão condicionada pela conhecida instabilidade não política, mas do Alfa Pendular, que me faz saltar linhas e parágrafos, esperando que sejam representativos da ideia de deriva atrás exposta.

A primeira, que até valeu uma crónica jocosa a João Miguel Tavares no Público, é a despudorada invocação dos devaneios de José Sócrates para acusar o PS de outros devaneios, os pretensamente despesistas que constam do Programa de Governo apresentado há dias por Pedro Nuno Santos. Não lembraria ao careca regressar ao tema da bancarrota socrática para esgrimir ideias de governação contra o Programa do PS, a ponto dos arautos da AD não se importarem de, indiretamente, valorizarem o estilo e tom da governação de António Costa para fazer pirraça ao ansioso Pedro Nuno Santos que, em tempo curto, luta por ganhar pose de Estado e agradar no estilo a Lili Caneças. As ideias de intervenção propostas pelo Programa do PS são passíveis de discussão e análise crítica, mas fazê-lo, não no plano da sua consistência, plausibilidade ou exequibilidade, antes acenando com a tralha socrática, é típico de alguém que não está seguro da sua própria governação. Afinal, ela não será assim tão inquestionável.

A outra questão que vale a pena ser discutida são os amores de última hora relativos ao desempenho de crescimento da economia portuguesa. Como tem sido apanágio deste blogue, esse é um tema que deve ser discutido com toda a nobreza e dignidade na economia portuguesa, sobretudo no contexto das quebras de produto potencial (produto máximo possível com pleno aproveitamento dos recursos disponíveis) que a economia portuguesa enfrenta na sequência do declínio demográfico, indefinições quanto à política de imigração e incapacidade de utilização de todo o potencial de qualificações por força da atratividade salarial e organizacional de outros países.

Se há força política que não tem atinado de todo com um discurso coerente sobre o crescimento possível da economia portuguesa é a AD. O cenário de crescimento que acompanhou o programa da AD nas últimas eleições era ridículo, pois assentava apenas no desagravamento fiscal e como é sabido dos economistas mais lúcidos a relação entre descida de impostos e crescimento económico está longe de ser demonstrada pela prática, como por exemplo a experiência do Reino Unido a demonstrou. É conhecida a entrada de leão e saída de sendeiro nessa matéria da AD.

A discussão do Programa do PS nessa matéria do crescimento económico fica para outra ocasião, mas por agora fica-me a convicção de que o Governo tem telhados de vidro bem frágeis nesta matéria. O desagravamento fiscal é coisa pouca para ambicionar metas de crescimento mais positivas para a economia portuguesa, sobretudo a partir da evidência de que na governação de Montenegro é necessária muita imaginação para encontrar evidência de que algo de consistente foi sendo feito nessa matéria.

Finalmente, uma questão simbólica, mas bem ilustrativa da deriva a que esta crónica se refere. A prática seguida pelas responsáveis no Governo de Montenegro pelas pastas da Saúde e da Cultura foi pródiga, não propriamente num afã de medidas consistentes, mas principalmente de mudanças de postos de chefia, com a chancela das cores da AD. Não estou a referir-me às substituições em fim de tempos de serviço, mas às substituições forçadas antes do seu termo, nem sempre pautadas pela avaliação de práticas anteriores.

Simbolicamente, foram ontem anunciadas as duas personalidades que irão completar a estrutura diretiva de Serralves, juntando-se a Isabel Pires de Lima, ela própria em meu entender uma escolha discutível, não propriamente por fidelização partidária à AD. Os nomes propostos, Luís Menezes, ex-Unilabs e agora AGEAS e Paula Paz Ferreira, vice-Presidente da Pluri Investments, de que Mário Ferreira é o presidente, serão os representantes do Estado na administração de Serralves e penso que está tudo dito. O critério parece bem claro. Quando se assegura a representação dos interesses do Estado com personalidades desta natureza, num contexto de governação minoritária, estamos entendidos.

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