(A família Figueiredo está bem e recomenda-se. O filho mais velho esteve em Lisboa na passada semana a apresentar um estudo que coordenou para o EDULOG e estará creio eu amanhã na TV pública a discutir esse estudo (Balanço da Educação 2025). O filho mais novo continua a ocupar-se das questões da biodiversidade em Sintra e como isso é relevante para o município e para a Área Metropolitana de Lisboa. O patriarca está de viagem para Lisboa, onde esta tarde se apresentam os resultados da avaliação de operacionalização do Programa PESSOAS 2030, o programa com maior envelope financeiro do PT2030 e que sistematiza todas as intervenções financiadas pelo Fundo Social Europeu (FSE) +, abrangendo matérias relevantes como as políticas de emprego, do ensino profissional e da aprendizagem, da formação de adultos e o largo espectro de políticas de combate à exclusão social, incluindo ações de superação da privação material extrema, o acolhimento de integração de imigrantes e o combate a todas as formas de violência. A disseminação da cultura de avaliação em Portugal vai fazendo lentamente o seu caminho, muito limitada ao exercício regulamentar imposto pelo financiamento dos fundos europeus, nos últimos tempos com um significativo incremento da notoriedade pública de tais exercícios e uma mais ampla divulgação dos resultados das inúmeras avaliações desenvolvidas. Grande parte da minha vida profissional nos últimos tempos tem sido dedicada a esta cruzada de transparência e divulgação de avaliações, numa prática cada vez mais competitiva entre o número reduzido de empresas que se abalançam a estas avaliações, que me tem queimado o juízo. Tenho pena que a comunidade de práticas em torno da avaliação não seja em Portugal mais dinâmica e lamento sobretudo que a investigação universitária dedique tão poucos recursos ao investimento metodológico nestes processos. Neste período de programação 2021-2027, também com financiamento europeu, algumas universidades têm sido convidadas a organizar cursos de verão e de inverno sobre políticas de avaliação, mas o âmbito é o da capacitação do ecossistema de Fundos Europeus, por isso em regra não acessíveis a gente mais jovem que pretenda seguir uma carreira de avaliação e procura nesse sentido formação que as licenciaturas e mestrados tardam em oferecer.)
(Elaborado pela minha colega Filipa Barreira)
Tal como o referi no parágrafo introdutório, o PESSOAS 2030 é um programa de grande envergadura em termos de recursos financeiros alocados, de elevada complexidade, já que envolve sete prioridades estratégicas e 56 tipologias de intervenção. Curiosamente, o Acordo de Parceria 2030 designou este programa de Demografia, Qualificação e Inclusão, embora a implementação da programação tenha vindo a consagrar a designação de PESSOAS 2030, ela própria mais inclusiva e querendo significar que é o programa de fundos europeus mais diretamente ligado às pessoas.
Porém, a relação que se estabelece entre as 56 tipologias de intervenção e as tais pessoas, os destinatários das medidas, assenta numa engenharia de intermediação muito complexa com a presença das chamadas entidades beneficiárias que elaboram candidaturas e são apoiadas para desenvolver projetos que chegarão por fim aos destinatários (alunos dos cursos profissionais e dos cursos de aprendizagem, estagiários, jovens apoiados na contratação por parte das empresas, adultos em formação e com processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC), alunos em doutoramento, vítimas de violência, imigrantes, etc.
Além disso, a estrutura de governação é muito complexa, pois envolve além da Autoridade de Gestão do Programa, uma série de organismos intermédios, como por exemplo o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a ANQEP e o Instituto da Segurança Social e também os BREPP (Beneficiários Responsáveis pela execução da política pública) que são apoiados para desenvolver a referida política pública, entendida como merecedora do apoio europeu.
Como é óbvio, não vou incomodar os fiéis leitores com pormenores do desafio metodológico que uma avaliação desta natureza implica, mas tão só discorrer sobre a minha experiência e principais resultados alcançados neste período ainda intermédio da implementação do Programa.
O PESSOAS 2030 deve essencialmente a sua envergadura ao facto de para ele terem convergido três programas operacionais do período 2014-2020 (Capital Humano, Inclusão Social e Emprego e Apoio às Pessoas Mais Carenciadas), incidindo nas regiões então designadas de regiões da convergência, hoje menos desenvolvidas (Norte, Centro e Alentejo). Quer isto significar que o PESSOAS 2030 é atravessado por uma lógica de continuidade em termos de programação, que permitiu agilizar uma transição relativamente fluida entre os dois períodos de programação, o anterior e o atual. Essa lógica de continuidade envolveu para algumas tipologias de intervenção a operacionalização de um Mecanismo Extraordinário de Antecipação (MEA), que se traduziu obviamente em ritmos de implementação mais rápidos, pois toda a máquina estava em condições de continuidade, como é o caso ilustrativo do financiamento dos Cursos Profissionais. Sem surpresa, o ritmo diferenciado de implementação do Programa reflete essa dicotomia entre programação de maior continuidade e programação que exige mais investimento de conceção e preparação, tanto mais que em contexto de alternância democrática a atravessar a programação a preparação de tipologias de intervenção mais inovadoras enfrenta a eventual alteração de orientações políticas.
No âmbito da curta ambição desta crónica, gostaria de destacar apenas duas das dimensões mais destacadas por esta avaliação cujos resultados agora se apresentam.
A primeira prende-se com o modo como o PESSOAS 2030 lidou com eventuais alterações de contexto. A significativa alteração de contexto internacional entretanto observada não se repercutiu ainda de modo expressivo no contexto interno das políticas públicas que o Programa financia. Por isso, conclui-se que o Programa não enfrentou alterações “cataclísmicas” de contexto relativamente ao período e às baselines que definiram a sua programação inicial. Porém, observaram-se algumas alterações relevantes que resultaram seja de mais investigação publicada sobre temas de intervenção do Programa, seja da intensificação de fenómenos já considerados na programação inicial.
O caso mais ilustrativo da primeira destas ocorrências está relacionado com a investigação adicional publicada sobre os défices de qualificação e de competências da população adulta em Portugal, particularmente com a novidade de tal défice atingir o próprio escalão dos 25 aos 34 anos. Esta alteração de contexto, ditada por um conhecimento mais aprofundado sobre um problema estrutural da sociedade portuguesa, exigiu em sede de reprogramação já aprovada uma alocasa ção reforçada de meios à formação de adultos. Porém, a gravidade do problema implicará logo que possível uma reformulação mais estrutural da política de formação de adultos em Portugal, que transcende obviamente o alcance do Programa.
O segundo caso respeita à intensificação do fenómeno imigratório em Portugal, para o qual o Programa concorre com um apoio importante ao trabalho dos mediadores culturais e de capacitação das equipas dos CNAIM (Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes). A um nível similar, a emergência de formas cada vez mais diversas de violência, doméstica e não só, coloca a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) sob pressão à qual o apoio do Programa não consegue responder na escala necessária.
A última reflexão para esta crónica respeita à ambição excessiva com que a resposta ao desafio demográfico nacional foi concebida na programação. Essa excessiva ambição resulta essencialmente do facto de uma das dimensões estruturais do declínio demográfico nacional, a baixa da taxa de fertilidade total, não ser entendida como um fenómeno multidimensional. A resposta a essa multidimensionalidade veicula uma exigente coordenação estratégica de intervenções de política pública, que transcende largamente o âmbito de intervenção do PESSOAS 2030. Não pode, por conseguinte, pedir ao Programa aquilo que não poderá dar. De modo mais direto e ativo, o apoio às condições de acolhimento da população imigrante e as políticas de conciliação da vida profissional e familiar são os contributos mais importantes do Programa. Mas variáveis como a sustentação económica futura dos casais mais jovens e a democratização efetiva do acesso à habitação são tão ou mais importantes do que esses contributos do Programa.
Resumindo, espero ter despertado da vossa parte a curiosidade para tomarem conhecimento da avaliação quando ela for publicitada. A disseminação de uma cultura de avaliação mais forte e consistente não é apenas o resultado de um processo de capacitação e de aprendizagem organizacional das entidades responsáveis pela conceção e implementação de políticas públicas. Isso também se consegue com o contributo da avaliação para uma intervenção cívica mais exigente. É isso que me tem movido neste prolongamento da minha vida ativa






