segunda-feira, 30 de junho de 2025

EM LISBOA, A APRESENTAR RESULTADOS DE UMA AVALIAÇÃO

 

(A família Figueiredo está bem e recomenda-se. O filho mais velho esteve em Lisboa na passada semana a apresentar um estudo que coordenou para o EDULOG e estará creio eu amanhã na TV pública a discutir esse estudo (Balanço da Educação 2025). O filho mais novo continua a ocupar-se das questões da biodiversidade em Sintra e como isso é relevante para o município e para a Área Metropolitana de Lisboa. O patriarca está de viagem para Lisboa, onde esta tarde se apresentam os resultados da avaliação de operacionalização do Programa PESSOAS 2030, o programa com maior envelope financeiro do PT2030 e que sistematiza todas as intervenções financiadas pelo Fundo Social Europeu (FSE) +, abrangendo matérias relevantes como as políticas de emprego, do ensino profissional e da aprendizagem, da formação de adultos e o largo espectro de políticas de combate à exclusão social, incluindo ações de superação da privação material extrema, o acolhimento de integração de imigrantes e o combate a todas as formas de violência. A disseminação da cultura de avaliação em Portugal vai fazendo lentamente o seu caminho, muito limitada ao exercício regulamentar imposto pelo financiamento dos fundos europeus, nos últimos tempos com um significativo incremento da notoriedade pública de tais exercícios e uma mais ampla divulgação dos resultados das inúmeras avaliações desenvolvidas. Grande parte da minha vida profissional nos últimos tempos tem sido dedicada a esta cruzada de transparência e divulgação de avaliações, numa prática cada vez mais competitiva entre o número reduzido de empresas que se abalançam a estas avaliações, que me tem queimado o juízo. Tenho pena que a comunidade de práticas em torno da avaliação não seja em Portugal mais dinâmica e lamento sobretudo que a investigação universitária dedique tão poucos recursos ao investimento metodológico nestes processos. Neste período de programação 2021-2027, também com financiamento europeu, algumas universidades têm sido convidadas a organizar cursos de verão e de inverno sobre políticas de avaliação, mas o âmbito é o da capacitação do ecossistema de Fundos Europeus, por isso em regra não acessíveis a gente mais jovem que pretenda seguir uma carreira de avaliação e procura nesse sentido formação que as licenciaturas e mestrados tardam em oferecer.)

 

                                        (Elaborado pela minha colega Filipa Barreira)

Tal como o referi no parágrafo introdutório, o PESSOAS 2030 é um programa de grande envergadura em termos de recursos financeiros alocados, de elevada complexidade, já que envolve sete prioridades estratégicas e 56 tipologias de intervenção. Curiosamente, o Acordo de Parceria 2030 designou este programa de Demografia, Qualificação e Inclusão, embora a implementação da programação tenha vindo a consagrar a designação de PESSOAS 2030, ela própria mais inclusiva e querendo significar que é o programa de fundos europeus mais diretamente ligado às pessoas.

Porém, a relação que se estabelece entre as 56 tipologias de intervenção e as tais pessoas, os destinatários das medidas, assenta numa engenharia de intermediação muito complexa com a presença das chamadas entidades beneficiárias que elaboram candidaturas e são apoiadas para desenvolver projetos que chegarão por fim aos destinatários (alunos dos cursos profissionais e dos cursos de aprendizagem, estagiários, jovens apoiados na contratação por parte das empresas, adultos em formação e com processos de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC), alunos em doutoramento, vítimas de violência, imigrantes, etc.

Além disso, a estrutura de governação é muito complexa, pois envolve além da Autoridade de Gestão do Programa, uma série de organismos intermédios, como por exemplo o Instituto de Emprego e Formação Profissional, a ANQEP e o Instituto da Segurança Social e também os BREPP (Beneficiários Responsáveis pela execução da política pública) que são apoiados para desenvolver a referida política pública, entendida como merecedora do apoio europeu.

Como é óbvio, não vou incomodar os fiéis leitores com pormenores do desafio metodológico que uma avaliação desta natureza implica, mas tão só discorrer sobre a minha experiência e principais resultados alcançados neste período ainda intermédio da implementação do Programa.

O PESSOAS 2030 deve essencialmente a sua envergadura ao facto de para ele terem convergido três programas operacionais do período 2014-2020 (Capital Humano, Inclusão Social e Emprego e Apoio às Pessoas Mais Carenciadas), incidindo nas regiões então designadas de regiões da convergência, hoje menos desenvolvidas (Norte, Centro e Alentejo). Quer isto significar que o PESSOAS 2030 é atravessado por uma lógica de continuidade em termos de programação, que permitiu agilizar uma transição relativamente fluida entre os dois períodos de programação, o anterior e o atual. Essa lógica de continuidade envolveu para algumas tipologias de intervenção a operacionalização de um Mecanismo Extraordinário de Antecipação (MEA), que se traduziu obviamente em ritmos de implementação mais rápidos, pois toda a máquina estava em condições de continuidade, como é o caso ilustrativo do financiamento dos Cursos Profissionais. Sem surpresa, o ritmo diferenciado de implementação do Programa reflete essa dicotomia entre programação de maior continuidade e programação que exige mais investimento de conceção e preparação, tanto mais que em contexto de alternância democrática a atravessar a programação a preparação de tipologias de intervenção mais inovadoras enfrenta a eventual alteração de orientações políticas.

No âmbito da curta ambição desta crónica, gostaria de destacar apenas duas das dimensões mais destacadas por esta avaliação cujos resultados agora se apresentam.

A primeira prende-se com o modo como o PESSOAS 2030 lidou com eventuais alterações de contexto. A significativa alteração de contexto internacional entretanto observada não se repercutiu ainda de modo expressivo no contexto interno das políticas públicas que o Programa financia. Por isso, conclui-se que o Programa não enfrentou alterações “cataclísmicas” de contexto relativamente ao período e às baselines que definiram a sua programação inicial. Porém, observaram-se algumas alterações relevantes que resultaram seja de mais investigação publicada sobre temas de intervenção do Programa, seja da intensificação de fenómenos já considerados na programação inicial.

O caso mais ilustrativo da primeira destas ocorrências está relacionado com a investigação adicional publicada sobre os défices de qualificação e de competências da população adulta em Portugal, particularmente com a novidade de tal défice atingir o próprio escalão dos 25 aos 34 anos. Esta alteração de contexto, ditada por um conhecimento mais aprofundado sobre um problema estrutural da sociedade portuguesa, exigiu em sede de reprogramação já aprovada uma alocasa ção reforçada de meios à formação de adultos. Porém, a gravidade do problema implicará logo que possível uma reformulação mais estrutural da política de formação de adultos em Portugal, que transcende obviamente o alcance do Programa.

O segundo caso respeita à intensificação do fenómeno imigratório em Portugal, para o qual o Programa concorre com um apoio importante ao trabalho dos mediadores culturais e de capacitação das equipas dos CNAIM (Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes). A um nível similar, a emergência de formas cada vez mais diversas de violência, doméstica e não só, coloca a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) sob pressão à qual o apoio do Programa não consegue responder na escala necessária.

A última reflexão para esta crónica respeita à ambição excessiva com que a resposta ao desafio demográfico nacional foi concebida na programação. Essa excessiva ambição resulta essencialmente do facto de uma das dimensões estruturais do declínio demográfico nacional, a baixa da taxa de fertilidade total, não ser entendida como um fenómeno multidimensional. A resposta a essa multidimensionalidade veicula uma exigente coordenação estratégica de intervenções de política pública, que transcende largamente o âmbito de intervenção do PESSOAS 2030. Não pode, por conseguinte, pedir ao Programa aquilo que não poderá dar. De modo mais direto e ativo, o apoio às condições de acolhimento da população imigrante e as políticas de conciliação da vida profissional e familiar são os contributos mais importantes do Programa. Mas variáveis como a sustentação económica futura dos casais mais jovens e a democratização efetiva do acesso à habitação são tão ou mais importantes do que esses contributos do Programa.

Resumindo, espero ter despertado da vossa parte a curiosidade para tomarem conhecimento da avaliação quando ela for publicitada. A disseminação de uma cultura de avaliação mais forte e consistente não é apenas o resultado de um processo de capacitação e de aprendizagem organizacional das entidades responsáveis pela conceção e implementação de políticas públicas. Isso também se consegue com o contributo da avaliação para uma intervenção cívica mais exigente. É isso que me tem movido neste prolongamento da minha vida ativa

 

ATÉ QUE ENFIM!

 
(cartoon de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Agora sim, terminou finalmente a época futebolística portuguesa de 2024/25. Com mais uma prestação dececionante do FC Porto na Taça do Mundo de Clubes em disputa nos Estados Unidos e mais uma honrosa vitória do ridículo voluntarismo benfiquista exibido pelas centenas de comentadores e analistas que pululam por esse país fora e enchem os espaços noticiosos desportivos (já que dos adeptos não pode nem deve, por definição, rezar esta história). O Benfica passou por este torneio como pelo conjunto da época: cíclico, capaz do melhor e do pior, orientado por um treinador desequilibrado e dirigido por um presidente inconcebivelmente incompetente – fez um jogo medíocre com o Boca, conseguiu a proeza inédita de derrotar o Bayern e acabou goleado pelo Chelsea, em parte às mãos de um Trubin que tinha sido salvador contra os alemães. Agora que se sucedem umas breves férias antes da preparação da final da Supertaça e das eliminatórias da Champions, e depois da novela em torno da renovação de Otamendi (ou muito me engano ou daqui surgirão dissabores nos meses a vir) e da despedida inglória da vedeta Di Maria (que afinal aguentou 120 minutos contra os ingleses), é chegada a hora de Rui Costa puxar do livro de cheques e desatar a contratar meio mundo que mexa para reforçar a equipa com nova e despropositada alimentação de ilusões internacionais (despachando Arthur Cabral, Bruma e Belotti, além de Renato Sanches e Rollheiser?), incluindo o regresso do vergonhoso profissional que é um tal João Félix que por lá brilhou uns meses para depois despudoradamente envergonhar o país durante os últimos anos com uma presença inócua e displicente nos maiores campeonatos da Europa e que agora aguarda, entre as praias da Florida e as mostras de marketing em Tóquio, um chamamento solícito e pedinchão dos responsáveis da Luz...

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

domingo, 29 de junho de 2025

O SÃO PEDRO POVEIRO

Eu sou portuense e tenho especial orgulho no modo original e interclassista como se festeja o São João na minha Cidade. Mas devo reconhecer – como ontem pude comprovar em termos inquestionáveis – que a festa em honra de São Pedro que acontece na Póvoa de Varzim representa igualmente um momento excecional de celebração popular. Testemunhei o entusiasmo da preparação dos habitantes dos bairros para a respetiva participação ativa no desenrolar dos acontecimentos da noite e andei pelas ruas cheias de música e de multidões animadas, de sardinha assada e cerveja ou vinho tinto, de claques e fogueiras, de palcos e tronos, como de rusgas representativas de seis bairros sadiamente rivais (os centrais, Norte, Sul e Matriz, e os mais periféricos, Belém, Regufe e Mariadeira) a desfilar incessantemente de um para outro lado exibindo as cuidadas blusas rendadas, os belamente decorados aventais cravejados de pedras e brilhantes com as cores do bairro e os cabelos presos num puxo e travessão adornados por brincos e colares a condizer das mulheres e de muitas meninas (algumas bem pequenas), com o papel dos homens e rapazes a ser dominado pela ostentação de arcos luminosos alusivos e sempre com o inestimável apoio de adeptos fervorosos vestidos com camisolas e agitando cachecóis. A Junqueira e a Avenida dos Banhos estavam cobertas por um mar de gente mas nem por isso as demais ruas e ruelas do Centro ou dos locais mais recônditos o estavam menos e das mais variadas formas de manifestação. Confesso que a admirável noitada que vivi na Póvoa de Varzim me reforçou a convicção na pureza do amor pelas raízes, na dedicação ao esforço organizativo e na força das energias focadas no local.

UMA EUROPA ENVERGONHADA


(A sensação de que a União Europeia caminha para um precipício está cada vez mais representada na complexa diversidade dos compromissos internos que se vão sucedendo. A cada compromisso para evitar o pior, a desagregação, torna-se óbvio que o suporte é tão instável, que transforma a ideia de compromisso em pura inação. O que significa, antes de mais, irrelevância no plano da geopolítica mundial e das decisões que a deveriam organizar. A posição da administração Trump em relação à Europa não é mais do que a revelação dessa irrelevância. O desplante de Trump, Vance, Rubio e outros personagens do núcleo central da nova administração norte-americana equivale à expressão efetiva do que circulava há já muito tempo na diplomacia internacional, mas que ninguém tinha a coragem efetiva de verbalizar ou de utilizar na engenharia das negociações. A cada ponto quente que irrompe na cena internacional, cada vez mais belicista, a irrelevância europeia torna-se confrangedora e se António Costa estava à espera da Presidência do Conselho Europeu para apagar a sombra da sua má governação interna, dando cabo de uma maioria absoluta, pode considerar-se por antecipação frustrado nas suas intenções. Vai limitar-se a ser o protagonista representante da já mencionada irrelevância.)

Esta questão anunciava-se já em torno da questão ucraniana, na qual a contundência do discurso nunca encontrou no plano das ajudas concretas à Ucrânia uma correspondência completa, o que não significa convenhamos ignorar a importância da ajuda concedida. Não está em causa a importância absoluta dessa ajuda, mas sim a evidência de que ela tem ficado aquém do discurso da solidariedade política com a resistência ucraniana.

Mas há sempre uma matéria em que a unanimidade tende a falhar, como o revela a peripécia mais recente da Hungria e da Eslováquia terem proferido um não rotundo a participar no agravamento das sanções à Rússia de Putin, não obedecendo ao ditame europeu de reduzir as importações de petróleo e de gás natural proveniente da Rússia. À medida que se sucedem estas quebras de solidariedade que transcendem a situação energética particular daqueles dois países, pois o que está em causa é a deriva populista e autoritária que por ali se passeia, é cada vez mais difícil imaginar a engenhosidade dos compromissos possíveis. Na verdade, a agressão russa veio simplesmente por a nu as contradições geoestratégicas já existentes no interior da União, das quais a melhor evidência está no adiamento sucessivo de pedidos de adesão.

Mas a visão de uma Europa envergonhada, sobretudo na perspetiva de quem pactua com a negação dos seus próprios valores, está na posição da Comissão Europeia perante as atrocidades israelitas em Gaza e na Cijordânia. À luz dessas atrocidades, o acordo comercial entre a União Europeia e Israel já deveria ter sido questionado. O relatório produzido pelos serviços externos da União quanto à situação trágica em Gaza e na Cijordânia é um relatório contido, de maneira nenhuma incendiária, mas rigoroso quanto à dimensão das atrocidades e da violação sistemática dos direitos humanos mais elementares, de que a manifestação mais pérfida é a utilização dos ajuntamentos de distribuição alimentar a população esfomeada para matar indiscriminadamente palestinianos. Que eu saiba, o governo israelita ainda não desmentiu a notícia que veiculava testemunhos de soldados israelitas que afirmarem ter repetidas vezes recebido ordens para atirar sobre essas multidões indefesas.

Com a denúncia envergonhada dessas atrocidades, a Comissão Europeia não deu ainda um passo que seja na denúncia dos acordos comerciais em questão. Com essa cobarde posição do faz de conta, a Comissão Europeia trabalha objetivamente na destruição dos valores humanistas que formaram a constituição da Europa. A posição alemã nesta matéria, sempre às voltas com a sua má consciência de um país que praticou o holocausto, equivale na prática a transformar os princípios europeus humanistas numa relíquia que alguns guardarão, outros nem isso.

Condicionar a defesa desses princípios a questões de geoestratégia política, não se percebendo sequer o alcance do que se quer preservar fechando os olhos às violações israelitas, equivale seriamente a uma alteração estrutural dos valores d constituição europeia.

É uma Europa envergonhada que se revela e nesse sentido ser hoje Europeísta tem que se lhe diga, pois aquilo que para muitos, grupo em que me incluo, era algo de espontâneo e reconfortante, está a ponto de traduzir-se numa enorme deceção coletiva.