quinta-feira, 12 de junho de 2025

PASSARAM QUATRO DÉCADAS...

Passam hoje quarenta anos sobre a cerimónia dos Jerónimos que marcou a adesão de Portugal e Espanha à então Comunidade Económica Europeia. Sobre o inquestionavelmente positivo saldo desenvolvimentista destas quatro décadas, temos tido amiudadas e múltiplas oportunidades de dar conta neste espaço, razão pela qual me dispenso hoje de maiores elucubrações do que insistir numa interrogativa de resposta óbvia: alguém em seu perfeito juízo ou que não seja tributário de agendas ideológico-políticas maldizentes e preconcebidas poderá afirmar convictamente que o Portugal dos nossos dias, mesmo com todas as dificuldades que se lhe deparam, não está a léguas de distância do Portugal pobre e amargurado de meados dos anos 70 ou 80?
 
Mas há um outro ponto que quero relevar a propósito. Veio-me ele à cabeça na sequência da entrevista de António Costa à RTP/Antena1 que ontem passou na comunicação social. Absolutamente revelador da sua leitura distorcida em relação à presença portuguesa na União, e portanto bem consonante com a sua atitude displicente e desfocada à frente dos destinos do País, o ponto fica bem percetível no seguinte apontamento que cito: “O País martiriza-se com esta discussão. A Comissão Europeia, regularmente, publica todos os indicadores. Portugal está sempre nos melhores indicadores. Não é de agora, está assim desde 85. (...) Primeiro, capacidade de absorção dos fundos comunitários, sempre, está sempre nos 100 ou nos 99,9%; fraudes sempre nas taxas mais baixas de todos os países da União Europeia; portanto, a ideia que aproveitamos mal é uma ideia errada.” E, em outro excerto, uma conclusão sorridente mas nada adequada a alguém que foi líder e integra, bem ou mal, o escol da nossa sociedade: “Há um problema nacional, que é de autoflagelação e de nos depreciarmos a nós próprios.”
 
Vamos por partes. Se nos ativermos ao facto de os portugueses terem tendência a oscilar entre o oito e o oitenta, entre a besta e o bestial, nada contra – trata-se de uma caraterística por demais conhecida e reconhecida e que pode, em determinadas circunstâncias, descair para a dita autoflagelação. Mas se nos concentrarmos na questão que estava ali em causa – a de que Portugal não tem aproveitado bem os fundos comunitários –, a coisa fia mais fino se houver mínimos em termos de exigência na respetiva avaliação e na periodização sob equação. Porque, sendo correta e quase lapalissiana a ideia de que fizemos investimentos no passado que não podem ser avaliados com os olhos de hoje, não reside aí a essência da nossa incompetência deste último quarto de século em que não soubemos transitar da infraestruturação necessária que fez parte do sucesso de Cavaco Silva (com Mira Amaral, Valente de Oliveira e outros) para dimensões estratégicas de outro fôlego e incontornáveis para permitirem ao País dinâmicas económicas e sociais mais pujantes e transformadoras. Costa, um pouco aliás como Marcelo (que não fez outra coisa senão instar os sucessivos governos a gastar sem dó nem piedade, em quê não disse), lê a presença comunitária largamente associada aos fundos, numa lógica algo próxima do Oliveira da Figueira de Hergé (Tintin), e à sua estrita instrumentalização político-partidária, motivo pelo qual o que refere como ilustração são as grandes execuções (gastamos tudo o que nos dão e ponto final parágrafo) e as escassas fraudes (os roubos são pontuais e limitadamente incomparáveis à escala europeia, embora todos conheçamos os estilhaços do caso paradigmático do Fundo Social Europeu e outros casos de gente diversa que se locupletou forte e feio em esquemas variados e depois arquivados à feição e de modo a permitir que o lado jurídico fosse relegado para o quadro interno e os fundos em causa pudessem ser considerados aplicados ou passíveis de reorientação).
 
O Portugal europeu, que completa quarenta anos e assim perde a qualificação de jovem – mesmo os agricultores deixam de ser jovens quando completam tal idade –, requer hoje mais e melhor porque a sua importância potencial já não é compatível com a ideia de sermos pequeninos, recetores líquidos de fundos e insuscetíveis de intervir no debate das questões centrais da atualidade da construção europeia. Pena é que os nossos responsáveis e as nossas elites se mantenham naquele conformista e preguiçoso comprimento de onda em lugar de fazerem o seu papel, dando o exemplo e abanando as consciências.

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