(Sempre avisada e alinhada com o tempo, a revista The Economist dedicou a capa da sua edição europeia da semana passada à Polónia, apresentando na sua secção de notícias sobre a Europa uma pertinente análise sobre o notável crescimento da Polónia, mas também sobre o que estava particularmente em jogo nas eleições presidenciais de ontem. Por cá temos andado distraídos com a pobreza das nossas minudências, não prestando atenção não só ao crescimento do poderio militar polaco, com forças armadas hoje de maior dimensão do que as do Reino Unido, França ou Alemanha, mas também ao seu crescimento económico e aumento do nível de bem-estar material dos Polacos. A Polónia constitui hoje talvez o melhor exemplo dos resultados positivos da integração europeia combinada com a política económica interna, dos quais a evidência de um crescimento económico médio anual de 4% ilustra perfeitamente o êxito dessa combinação. Mas, subjacente ao êxito económico, a Polónia apresenta politicamente desde já há algum tempo uma situação de tensão latente e por vezes declarada. Essa tensão acontece porque o Partido da Lei e Justiça, o PiS, populista, judicialista, nacionalista e profundamente conservador, fundado por Jarosław Kaczyński, hoje com 75 anos de idade, nunca deixou de exercer a sua influência, explorando entre outras coisas a religiosidade conservadora do povo polaco. A chegada ao poder de Donald Tusk e da sua coligação de centro-direita, tão festejada pelas autoridades europeias que viam assim anulada a possibilidade de mais um Cavalo de Troia no seu interior, nunca representou, temos de convir, o desaparecimento definitivo da ameaça populista. Na imprensa polaca mais à esquerda, o governo de Tusk foi sendo mesmo acusado de algumas violações de direitos democráticos, anunciando a tensão atrás referida.)
As eleições de ontem representavam claramente para os polacos e para a União Europeia, e atrever-me-ia a dizer também para Zelensky e para a Ucrânia, que não só tem de combater no seu território pela manutenção da sua liberdade, mas estar também atento à evolução das ameaças vizinhas, uma verdadeira encruzilhada. Com a possível vitória de Rafal Trzaskowski, autarca de Varsóvia e apoiado por Donald Tusk, abrir-se-ia para a Polónia, pressupondo que o governo de Tusk aguentaria a pressão, a possibilidade de uma reciprocidade de interesses entre a Polónia e a União Europeia. Pelo contrário, com a vitória de Karol Nawrocki, apoiado pelo PiS e encantado com as diatribes de Trump, além do movimento MAGA criar raízes na Europa, o cenário mais provável é o bloqueio da ação política do governo de Tusk e muito provavelmente eleições legislativas a prazo curto, além de com toda a probabilidade a posição anti-União Europeia e conflitos com vizinhos poder intensificar-se.
Os resultados da primeira volta sugeriam o pior, as sondagens deram, porém, alguma esperança ao autarca de Varsóvia, mas sobre a linha final o candidato populista impôs-se por 2% dos votos e lá se foi a primavera das boas intenções europeias. Praticante de boxe e confesso adepto hooligan do futebol em Gdansk, a imagem dos 42 anos de Nawrocki é clara e sugestiva do que se anuncia para o choque entre a Presidência e o governo de Tusk.
Se havia alguma dúvida entre os mais distraídos com as nossas minudências de que a construção europeia se vai concretizando por linhas cada vez mais tortas e ameaçadoras, os resultados de ontem mostram com clareza que a tensão está instalada e que o nacionalismo acompanhado de conservadorismo, pulsões antidemocráticas e autoritárias e manifestações do reacionarismo mais profundo está aí, instalado e preparado para complicar a tão deseja unidade europeia.
Por outro lado, dada a proximidade ao teatro de guerra na Ucrânia e considerando o seu poderio militar, a tensão polaca é o pior que poderíamos desejar em termos de cenários geoestratégicos para lidar com esta instabilidade explosiva do mundo de hoje.
Atrevo-me a perguntar o que é que o intelectual polaco de excelência que é Adam Michnik com os seus 78 anos pensará de tudo isto?


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