terça-feira, 24 de junho de 2025

A QUADRATURA DO CÍRCULO DA NATO

 

                                                    (Jornal Público)

(Já há muito tempo que perdi a relação afetiva com a noite de S. João, sobretudo porque foi substituída pela noite de aniversário de uma Amiga próxima, que continuam com o prazer de bem receber. E não creio que a idade vá permitir no futuro reatar essa relação afetiva e não são os dezasseis minutos de fogo, por mais espetacular que seja, que o irão determinar. Era inevitável que as cavaqueiras de Amigos entre um copo, uma sardinha assada e outras especialidades da casa incidissem na cena internacional, o triângulo infernal da Ucrânia, das atrocidades em Gaza e na Cijordânia e a guerra com o Irão. Ainda por cima numa noite que ainda deu para receber com surpresa a notícia de Trump de um cessar-fogo entre Israel e o Irão, depois da “bem-educada”, e previamente comunicada aos EUA e Catar, retaliação iraniana de uns mísseis balísticos sobre uma base americana no Catar e outra no Iraque. A imprensa internacional noticiou que a retaliação sobre a base no Catar aconteceu já com o cessar-fogo no horizonte. E não me convenço de todo que tenha havido violação do cessar-fogo por parte do Irão, mesmo que esse cessar-fogo seja do mais unilateral que conheço, com prazos diferentes para se iniciar o dito por parte dos beligerantes. Imagina-se o que no prazo mais alargado que teve Israel terá conseguido fazer com as suas forças infiltradas em território iraniano, sobretudo a partir do momento em que o urânio desaparecido representa uma pedra no sapato na concretização dos objetivos pretendidos. Para completar a triangulação infernal de acontecimentos atrás mencionada, inicia-se hoje em Haia a cimeira anual da NATO e era sobre esse acontecimento e sobre o desconchavo do que lá vai passar-se que me apetece construir a minha reflexão de feriado de S. João.)

Com o pau mandado de Trump, o irritante Mark Rutte, a comandar as cerimónias, a cimeira anual foi precedida da desconcertante pressão para os países membros programarem o aumento da percentagem das despesas em defesa e segurança para 5% do PIB. A situação é obviamente desigual, pois os referidos 5% aplicam-se a níveis muito diferenciados de desenvolvimento económico, para além dos países mais próximos da ameaça russa, sobretudo Polónia e países bálticos não discutirem praticamente essa meta, para eles consensual e já muito próxima de ser concretizada. Não vou discutir a vaguidade dos critérios e das métricas para avaliar se o esforço de programação caminha ou não para esse compromisso. Aliás, a existência de pressão para esse objetivo ser cumprido acontecer em simultâneo com a inexistência de referenciais sólidos para medir o compromisso faz parte do desconchavo em que a NATO está hoje mergulhada, sobretudo depois do agitador Trump ter entrado em cena.

Um bom exemplo desse desconchavo é o caso protagonizado pela Espanha e por Pedro Sánchez que, com os seus Amigos (???) parlamentares à perna, que odeiam literalmente a NATO, tem praticado umas chicuelinas de grande efeito para convencer as autoridades da NATO que vai cumprir esse compromisso, que já não é de 5% mas de 3,5% (sabe-se lá porquê) e que muito provavelmente vai ser trabalhada em torno da mais criativa contabilidade dos últimos tempos.

Mas não é sobre essa sombra de desconchavo em torno da vaguidade do compromisso que é pedido aos estados-membros que gostaria de refletir.

O meu ponto é antes o da quadratura do círculo em que a NATO está mergulhada depois do agitador Trump ter partido a louça toda, com a sua imprevisibilidade de exigências.

O raciocínio que pode ser construído é muito simples. Se existe um objetivo de compromisso de aumento do investimento em defesa é seguramente para responder a uma nova ameaça. Não quero ir pelo caminho mais linear de admitir que tudo o que está a passar-se é fruto do lobby poderoso das armas, com os EUA no centro dessa pressão. Ora, se pensarmos bem e recorrermos a declarações e documentos provenientes da própria organização, a principal ameaça que determina o reposicionamento é a hostilidade imperial da Rússia. Que o digam por exemplo os países mais próximos como a Polónia e os países bálticos. Mas o desconchavo está em que, para Trump, e recordemo-nos que tudo começou com as exigências e ameaça de abandono da NATO pela sua parte, a Rússia de Putin é mais amiga do que a Europa. Atentem bem na quadratura do círculo em que tudo isto está convertido: por exigência de Trump, os membros europeus da NATO têm de aumentar as suas despesas em defesa para responder a uma ameaça, sistematicamente desvalorizada pelo próprio Trump, que não cessa de glorificar Putin e escarnecer dos valores europeus.

Pelo que se sabe, na declaração formal que sairá da cimeira de Haia, não haverá nenhuma referência a uma cada vez mais improvável integração da Ucrânia na NATO e nem sequer qualquer referência à China que poderia ser também encarada como ameaça, pelo menos ao nível tecnológico. O desconchavo é real – tudo é construído em função da ameaça russa, que na conjuntura atual é mais amiga de Trump do que a Europa, na perspetiva deste último.

Se isto não é o cúmulo da hipocrisia, alguém que me explique o seu significado.

Bom feriado de S. João para os leitores a norte.

 

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