(A notícia SOLVERDE que deu impulso à situação complicada em que Luís Montenegro voluntariamente se envolveu foi publicada pelo Expresso. Numa espécie de estado da arte e de medir o pulso político do País, o mesmo Expresso encomendou agora uma sondagem para avaliar estragos e o clima que antecede estes praticamente dois meses até às eleições de 18 de maio, data que vai acabar por contaminar a justa, mas sempre contida celebração dos meus 76 anos. Pelo que já consegui ler dos resultados obtidos, creio que o jornal terá ficado um pouco insatisfeito com a representatividade das intenções de voto, valendo antes a sondagem pelo que ela nos traz de apreciação ao sentir dos portugueses com toda esta situação. Confirma-se que a maioria dos portugueses não queria eleições, mas esse não é resultado que me espante, atendendo a que o estado global da comunicação social metralhou diariamente os portugueses com essa valoração de que a antecipação de eleições era nesta altura indesejável. O que me impressiona nesta sondagem é a dissonância que ela manifesta em relação à minha própria apreciação dos efeitos que admiti serem gerados pela teimosia de Montenegro em não reconhecer o erro de não ter dissolvido em tempo a sua malfadada empresas de consultoria. Eu sei que um quarto dos votantes AD pensa que Montenegro não se deveria recandidatar e no total da amostra há 46% das pessoas que considera que Montenegro faz mal em candidatar-se. Mas em contrapartida 52% dos inquiridos pensa que a situação de Montenegro ficou na mesma apesar do imbróglio, o que é a mesma coisa que dizer que o erro político do primeiro-Ministro não teve para a maioria dos portugueses consequências sobre a apreciação da sua figura como governante e político. Existem também nuances cuja representatividade não sei avaliar, como, por exemplo, a de que a insatisfação quanto às justificações apresentadas por Montenegro é mais elevada entre os jovens do que na restante população. De qualquer modo, o mantra da indesejabilidade das eleições abafa uma dimensão mais significativa dos efeitos negativos provocados pelo imbróglio e estará nesse ponto a razão da dissonância entre a sondagem e o que penso sobre o assunto.)
O país que se manifesta nesta sondagem, ainda largamente indeciso quanto ao seu comportamento de voto no dia 18 de maio, com 39% de indecisos, um número anomalamente elevado, é no meu entendimento pessimista e algo desencantado um país videirinho e entrincheirado.
Explico-me.
A desigualdade existente e a permanência no tempo longo, para uma elevada percentagem de população portuguesa, de condições de baixo rendimento familiar e baixas remunerações, para não falar já da ameaça persistente da pobreza absoluta, cria um caldo propício à valorização dos expedientes de toda a espécie para lutar pela sobrevivência. A multiatividade do trabalho a tempo parcial em Portugal (o trabalho a tempo parcial nos países do Norte é a aposta num modo de vida alternativo e mais distendido, não a luta pela sobrevivência) é um excelente indicador dessa necessidade permanente de combate ao baixo rendimento e às baixas remunerações. Posso estar a ser injusto, mas esse caldo de luta pela sobrevivência cria condições para que, senão apreciados, os videirinhos e facilitadores sejam pelo menos tolerados e bondosamente avaliados. Para mais, segundo o Público de hoje: “De acordo com as contas divulgadas esta quinta-feira pelo Banco de Portugal, em termos reais, o rendimento disponível das famílias cresceu 7,8%. É um valor que não encontra equivalente nas séries estatísticas das últimas décadas e que, prevê agora o banco central, não ficará sequer perto de se repetir nos próximos anos”. Ou seja, em meu entender, questões estruturais e conjunturais combinam-se para que o conflito de interesses em que Montenegro se colocou seja claramente desvalorizado. Para alguns portugueses, seria melhor que nada disto tivesse acontecido e o próprio Montenegro poderia ter facilitado as coisas, não indo a votos ou não tendo apresentado a moção de confiança. Mas no fundo, bem lá no fundo, não se passa nada, os portugueses encolhem os ombros e estão dispostos a conceder uma segunda oportunidade ao homem de Espinho.
Mas, por outro lado, é um país entrincheirado que se apresenta nesta sondagem. E aqui há que convir que a trincheira em que se encontra o PS de Pedro Nuno Santos não é das mais confortáveis ou melhor construídas. Não tem sentido questionar se os resultados seriam substancialmente diferentes se PNS tivesse já conseguido uma outra empatia com o eleitorado. A política faz-se do que é e não do que poderia ser, refazendo as trajetórias de cada um. A sondagem traz praticamente um empate na atribuição de responsabilidades sobre quem terá desencadeado a crise política e aí a ideia de entrincheiramento é real e incontornável. O esforço comunicacional do Governo e da AD em geral para focar a responsabilidade política no PS foi brutal e representou uma peça essencial para o entrincheiramento de posições.
A reflexão lá para as bandas do Largo do Rato deve estar pesada e atarefada, pois a trajetória de rejuvenescimento de ideias e rostos que o PS pensara com outro horizonte eleitoral está totalmente modificada e existe pouco tempo para um sucedâneo perfeito. Não me parece de todo que a ideia de um novo Relatório Porter tenha sido o tiro certo no alvo mais adequado, mas nestes contextos de pressão mediática há sempre uma ideia que tem de ser apresentada e PNS não resistiu ao revivalismo. Haveria seguramente outras formas de abordar o tema, abrindo por exemplo o caminho do diálogo com meios empresariais e da inteligência nacional, mas o que está feito, está feito.
Os dados estão lançados e admito que esta sondagem tenha sido preciosa para orientar o arranque das máquinas eleitorais.
Terá acentuado o meu pessimismo quanto a isto tudo? Sim, creio que sim.