segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

UMA LIGA FRAQUINHA MAS ANIMADA

 
(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

É aflitivo o estado de depauperamento exibicional  a que chegou o futebol dos chamados “três grandes”! Mas é sobretudo impressionante a enorme rampa descendente que passou a afetar o jogo de um Sporting imperial desde que passou a ser comandado por João Pereira – mesmo sabendo que a dimensão psicológica e motivacional é cada vez mais importante em grupos de trabalho jovens e muito dependentes, confesso que tenho dificuldade em compreender a diferença tão abissal que faz uma exclusiva mudança de equipa técnica!


É manifestamente irrelevante, mas a principal questão que se coloca aos nossos “inteligentes” na matéria é a de saber quem vai passar o ano ao comando do campeonato, sendo que elegerão logo de seguida, em janeiro, como campeão de Inverno o vencedor da Taça da Liga – eu, pela parte que me toca, preferiria guardar-me para maio, embora com a consciência de que os tempos de uma necessária reabilitação do clube tornam prioritário que a opção desportiva seja conduzida com cautela e caldos de galinha; mas se houver santos que nos ajudem, designadamente em sede de consolidação de uma estabilidade emocional que começa a emergir e de não nos termos de defrontar com muitos Luís Godinhos e Fábios Veríssimos, não deixaremos de nos afirmar presentes.

domingo, 22 de dezembro de 2024

A INTERPOSTA GOVERNAÇÃO DO CHEGA

 


Existe por aí disseminada a ideia de que Portugal é um monumento à especificidade. Existe ao nível de como nos projetamos como país, nunca tendo desaparecido a ideia de que somos um país único e singular, argumento ao qual se junta a verdade histórica de um país com existência longa e fronteiras bem definidas. Esta história foi perturbada pela perda do poder colonial, mas a propensão para especificidade é tão forte que se projeta no plano das organizações e dos setores, onde tudo parece ser específico e reclamar soluções próprias. Claro que muitas vezes a invocação da especificidade é um bom pretexto para manter a inércia da não mudança. Todo este introito se justifica porque até há bem pouco tempo predominou a ideia de que em matéria de extrema-direita até nisso haveria razões para acreditar na tese da singularidade específica. Existe aqui uma confusão lógica nefasta que consiste em confundir o período longo de diferimento com que as coisas chegam cá ao burgo, fruto da perifericidade e do atraso estrutural do país, com a ideia de especificidade. A dinâmica mais recente dos acontecimentos políticos mostra que, pese embora as diferenças observáveis entre o Chega e os partidos similares disseminados por essa Europa e mundo fora, o fenómeno da extrema-direita populista que baste, xenófoba, que transforma perceções falsas em realidade pretensamente objetiva, securitária para lá dos limites da razão está aí para português ver e seduzir os mais incautos e ressentidos com qualquer coisa que aflija as suas pobres e desinteressantes vidas.)

Para acentuar a inexorável similaridade, a propensão para que a influência política da extrema-direita transcenda em muito o seu peso eleitoral, maior ou menor, tem-se revelado em todo o seu esplendor. O governo AD tem-se esforçado e muito para se sobrepor aos impulsos do eleitorado que elegeu 50 deputados para o Chega no nosso Parlamento, adotando umas vezes mais disfarçadamente, outras vezes de modo mais descarado, as agendas do Chega. Mas essa fissura da tentação da cópia não incide apenas nas hostes das forças políticas que apoiam o governo da AD. Ela tem aparecido também entre alguns ilustres autarcas do PS, acagaçados pelo crescimento do Chega e receosos de que tais agendas lhes valham a perda do poder. Creio que os infelizes casos de Loures e de Alpiarça tenderão a repetir-se à medida que as lutas eleitorais mais acesas das próximas autárquicas comecem a desenhar-se no horizonte. Bastará estarmos atentos e essas manifestações emergirão para demonstrar que a extrema-direita não precisa de governar, basta-lhe inspirar as agendas dos outros.

A operação policial no Martim Moniz em Lisboa, a sua mediatização (a tal visibilidade invocada por Montenegro) e sobretudo o modo como ela foi justificada por diferentes membros do Governo e do grupo parlamentar do PSD é uma evidência solene de que o Chega não precisa de ter o ónus da governação. Basta-lhe inspirar os atos securitários do Governo em funções e, indiretamente, marcar a agenda para as próprias forças de segurança.

Na Alemanha, mais propriamente em Magdeburgo, um médico saudita, islamofóbico declarado e seduzido pelo programa de extrema-direita da AfD e tudo indica referenciado pelas forças de segurança sauditas que o terão transmitido às alemãs, resolve irromper a toda a velocidade por um dos mercadinhos alemães tão tradicionais na Alemanha, fazendo lembrar outros atos tresloucados de terrorismo urbano. Claro que para a dinâmica securitária em curso pouco importará que o saudita fosse islamofóbico e será entendido como carne no assador para extremar a sanha securitária e anti-imigração.

E estamos metidos neste cu de boi. A extrema-direita utiliza a democracia para se afirmar eleitoralmente, influencia as agendas da governação e nem sequer tem de decidir em matérias específicas de governação.

Os que pensavam que a pretensa especificidade de Portugal o defenderia dos malefícios da extrema-direita podem colocar as suas barbas de molho. E, neste caso, nem sequer com um significativo atraso de manifestação.

(Pequenas alterações introduzidas em 23.12.2024)

sábado, 21 de dezembro de 2024

RUA DO BENFORMOSO

 

Há situações que elucidam claramente a proveniência dos seus autores e, sobretudo, os seus pergaminhos educacionais, cívicos e democráticos. Foi o caso na incompreensível e intolerável operação policial levada a cabo pela PSP no Martim Moniz, com destaque para a sinceridade intrínseca das reações de alguns dos nossos principais responsáveis: a inconsistência democrática do primeiro-ministro ficou por demais patente, ele que assim mostrou privilegiar a defesa da sua imagem à luz de uma disputa de popularidade com o “Chega” em relação à defesa da liberdade e da salvaguarda de direitos humanos básicos; as posições que se ouviram do lado do PS foram justas em defesa de valores democráticos adquiridos no seio de uma sociedade que há cinquenta anos se preza por respeitar tais valores e princípios mínimos de um Estado de direito; o Presidente da República começou por se escudar covardemente na sua visita a Cabo Verde para depois vir quase nesciamente falar na necessidade de “recato” nas ações policiais. Tudo visto e ponderado, assistiu-se por estes dias a mais uma manifestação do Portugal à deriva que aqui temos vindo a denunciar, sendo todavia marcadamente grave que essa deriva já resvale declaradamente, e com uma inadmissível cumplicidade governamental, para as instituições primordialmente encarregadas da segurança e ordem públicas.



(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

A CORAGEM DE GISÈLE

 

(A publicação da sentença no chamado caso Pelicot ou das violações de Mazan encerra com sentimentos misturados a determinação corajosa de Gisèle Pelicot que denunciou à justiça a macabra violação sistemática a que foi sujeita pelo seu marido Dominique Pelicot, drogando-a e assegurando que amigos seus a violassem também, com filmagens associadas. Já não tínhamos dúvidas de que a natureza humana é capaz do melhor e do pior e, neste caso, ela desceu a níveis abomináveis. A coragem de Gisèle Pelicot em tornar o seu caso público, lutando por ele na justiça francesa, talvez merecesse um conjunto de condenações mais representativas do caráter macabro da submissão a que foi sujeita. Daí os mixed feelings dos resultados do julgamento. Claro que o marido violador não escapou à pena máxima, mas algumas das penas atribuídas aos participantes nos processos de violação sistemática ao longo de uma década sugerem, como o assinala o Libération e algumas organizações feministas que vieram prestar a sua solidariedade a Gisèle Pelicot, que as condenações por violação estão a preço de saldo. Ainda assim, a divulgação pública de todo o processo acaba por ser uma justa retribuição da coragem e determinação da vítima. É de facto necessário ter uma robustez moral apreciável para rememorar todo o processo, auxiliando a investigação e suportando a exposição de um julgamento. Apesar dos mixed feelings quanto ao teor das condenações, Gisèle Pelicot terá oferecido à sociedade francesa um enorme contributo para desconstruir os enganos de um machismo violento e, sobretudo, suster a perigosa desvalorização do significado macabro de uma violação.)

Para completar o significado que a coragem de Gisèle Pelicot pode representar será necessário que a própria justiça francesa possa ter aprendido com os mais de três meses de julgamento e sobretudo com as opções assumidas de condução das acusações, largamente alicerçadas na demonstração de que todos os violadores e assediadores não conseguiram evidenciar a evidência de consentimento por parte da vítima.

No recato dos seus pronunciamentos públicos sempre contidos e nunca panfletários, Gisèle Pelicot ainda deu provas de um humanismo esperançoso notável, quando afirmou que acredita que, num futuro próximo ou mais longínquo, homens e mulheres conseguirão viver num contexto de respeito mútuo inabalável. O humanismo de Gisèle é espantoso, mas a ocorrência de um caso como este mostra como a violência contra a mulher pode ser sistémica e bem profunda. Seremos tentados a dizer que depois deste caso nada será igual em matéria de violência contra a mulher e de condenação da violação como forma máxima de agressão. Mas só o tempo o dirá.
 

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

PIMENTA MACHADO ESTÁ VIVO EM NOSSOS CORAÇÕES!

 
(excerto de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

O desatino de Marcelo começa a ultrapassar todos os limites concebíveis. Aceita-se, ou compreende-se, que o homem esteja desiludido com a sua perda de centralidade política; aceita-se, ou compreende-se, que o homem seja um isolado que necessita de miminho como de pão para a boca (citando as últimas e arrasadoras – desapiedadas mesmo! – considerações de José Miguel Júdice nas suas “Causas” da SIC-Notícias). O que não se aceita nem compreende é que o Presidente da República Portuguesa utilize o espaço público, que é supostamente um bem de todos nós, como um expediente mediador para nele procurar fazer uma catarse doentia e pungente, designadamente através de declarações contraditórias em relação a matérias que não são manifestamente de interesse geral. Pelo andar da carruagem, é de temer que os quinze meses que ainda restam a Marcelo até que seja forçado a deixar o Palácio de Belém possam constituir-se em momentos penosos de um cidadão que temos por superiormente inteligente (no sentido próprio da palavra) e que muito gostaríamos de avaliar finalmente como não destituído em absoluto de inteligência emocional.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

DAS NOVAS CONTAS REGIONAIS

 

Publicação pelo INE das primeiras Contas Regionais elaboradas a partir da nova configuração das NUTS2, decidida intempestiva e gratuitamente pelo governo de António Costa. Pretende este post atualizar junto dos nossos leitores a informação disponível de acordo com a nomenclatura que passa a ser oficial, dando conta de algumas evidências que, não alterando muito do que era conhecido quanto à nossa realidade regional, permitem reforçar certos traços mais salientes.

 

A saber: (i) acima, a distribuição percentual do PIB português por grandes regiões, mostrando de forma clara a presença de dois grandes blocos (Grande Lisboa e Norte) contrastando com todas as restantes zonas (com exceção do razoável peso já detido pelo Centro); (ii) abaixo, e por ordem sucessiva, a distribuição percentual das exportações portuguesas de bens, no caso confirmando o diferenciado peso exportador do Norte e a quase irrelevância da Madeira, Algarve e Açores neste domínio, e a respetiva hierarquização do grau de abertura à exportação (de bens), no caso sublinhando a dominante exportadora da Península de Setúbal, seguida a certa distância pelo Norte, Centro e Alentejo, e a relativa baixa dimensão de abertura de uma Grande Lisboa em que os bens transacionáveis não estão no centro da sua dinâmica económica; (iii) mais abaixo ainda, o consagrado (e amaldiçoado) indicador de nível de vida que é o PIB per capita calculado à paridade de poderes de compra, estimado em relação à média da União Europeia, e mostrando uma média nacional no índice 81, uma situação largamente distinta em termos positivos da Grande Lisboa (127), com o Algarve e a Madeira a serem as únicas outras regiões acima da média nacional e todas as restantes (com exceção do Alentejo) a posicionarem-se num plano inferior ao limiar dos 75% (destaque para o impensável índice 54 da Península de Setúbal, que contribui, juntamente com o índice 63 de Oeste e Vale do Tejo, para que o Norte assim deixe estatisticamente de ser a grande região mais pobre do País); (iv) depois, a muito falível produtividade aparente do trabalho, onde o aspeto mais chamativamente paradoxal provém do estranho posicionamento do Norte manufatureiro e exportador (matéria a revisitar mais em profundidade), e o rendimento disponível bruto das famílias, este indo ao encontro da conhecida especificidade algarvia e da reconhecida vantagem remuneratória da zona lisboeta e colocando o Norte como clara lanterna vermelha do País (pesem embora algumas caraterísticas sociológicas facilitadoras, das estruturas familiares à economia informal, de uma relatividade de tal situação e de um maior grau de suportabilidade da mesma).

 

Aguarda-se agora a publicação de séries comparadas com maior alcance temporal, por forma a que algumas atualizações possam ser realizadas de molde a que algumas perplexidades possam ser devidamente explicadas – deixo um exemplo: a anteriormente ressaltada evolução em forte baixa do PIB per capita da ex-Área Metropolitana de Lisboa como resultante essencial do seu entorno (Península de Setúbal e Oeste e Vale do Tejo), o que nos remete para uma menos grave falta de dinâmica arrastadora da Região-Capital e para a correspondente necessidade de aprofundar os caminhos da sua economia e criação de riqueza. Matéria(s) a explorar em cenas de próximos capítulos.






A DESMOTIVADORA CENA DA POLÍTICA INTERNA

 


(Devo confessar que é cada vez mais difícil e penoso escrever sobre as incidências da política interna. A preparação do campo político para as Presidenciais tem sido trágica, desde o grau zero da política do Almirante, equiparado, vejam lá o desplante, a D. João II e a não menos penosa sucessão de possíveis candidatos à esquerda, para já não falar no titubeante posicionamento do PSD e do seu possível candidato Marques Mendes. Tenho referido a amigos próximos que já agora quantos mais melhor e que uma projeção de primeira volta com percentagens de votação inferiores a 10% seria o castigo ideal para toda esta falta de peso político de putativos candidatos. Entretanto, o atual Presidente tem feito tudo para desacreditar a função e deixar no ar uma péssima imagem do mandato presidencial, transformando a Presidência numa sucessão de estados de alma, como é, por exemplo, esta mais recente mudança de tom relativamente à governação de Montenegro. Já não há pachorra para aturar este frenesim de mensagens e pressupondo que Marcelo fala verdade quando se pretende retirar e não falar mais de política, o que é em si duvidoso, estaríamos verdadeiramente no silêncio aliciante do céu se isso vier a suceder e quanto mais depressa melhor. Pelas bandas do Governo, ele está cheio de contrastes que evidenciam uma ausência considerável de consistência interna. Basta comparar, por exemplo, os registos de um Fernando Alexandre e de um Leitão Amaro ou comparar o que vão dizendo o ministro das Finanças e o ministro das Infraestruturas Miguel Pinto Luz. Fernando Alexandre é um caso curioso de alguém que foi atraiçoado pelos números do seu próprio Ministério, de bradar aos céus, e a partir daí optou pelas palavras duras da verdade – o Ministro admitiu nesta terça-feira com clareza que vão existir durante muito tempo, milhares de alunos sem aulas.)

É verdade que “Santa Claus is coming to town”, o que explicaria que nada disto é para levar a sério e que é tempo de nos deixarmos imbuir do espírito natalício e de dádiva que caracteriza as atmosferas deste tempo. O problema é que o ambiente do mundo está pouco propício para que nos desprendamos da realidade amarga que caracterizará o Natal de uma grande maioria de população no mundo. A sociedade global está aí, chega-nos permanentemente nas notificações do nosso telemóvel ou na leitura quase religiosa que faço da imprensa internacional mais conceituada e confesso que é cada vez mais difícil abstrair dessa dura realidade.

Entretanto, regressando ao plano interno, como previa, os desenvolvimentos da querela entre a ministra da Cultura Dalila Rodrigues e o ex-ministro Pedro Adão e Silva vão colocando o chamado universo da cultura numa posição cada vez mais confrangedora. Além do contraponto claro entre dois modelos de política cultural, que não é o meu ponto de hoje, as sucessivas revelações que têm vindo a público sobre a endogamia do universo cultural são preocupantes. Existirão por certo outros mundos similares para lá do CCB. Já há muito tempo que descria daqueles que associam ao universo cultural uma espécie de reserva ética e moral.

É tudo uma questão de escrutínio democrático e tenho de convir que o mundo da cultura tem sido pouco escrutinado.