terça-feira, 9 de dezembro de 2025

O PACOTE LABORAL NÃO TEM FUNDAMENTOS SÉRIOS

 


(É óbvio que a intervenção-rábula do primeiro-Ministro no Parlamento para defender a proposta de revisão da lei laboral que tanto e justamente incomodou as duas centrais sindicais foi preparada tendo já conhecimento do indicador da revista The Economist a que o meu colega de blogue se referiu no seu último post. O artifício retórico de se colocar na pele de um trabalhador sindicalizado para analisar a justeza da greve geral de 11 de dezembro teve naturalmente em conta a benesse que aquele artigo do Economist oferece ao Governo. Não vou analisar criticamente o artificialismo que o brinde do Economist traz à imagem do país, venham muitas dessas notícias, mas a alusão ao impacto que a liderança atribuída a Portugal no referido indicador compósito teve na intervenção do primeiro-Ministro interessa-me porque a fundamentação da proposta de revisão da lei laboral é um desconchavo completo. Se a AD se tivesse apresentado ao eleitorado com a ideia de reformar a lei laboral com esta orientação e se tivesse mantido o seu resultado eleitoral, estaria no seu pleno direito de propor à discussão a sua visão ideológica do balanceamento no mercado de trabalho. Mas isso não aconteceu. Não há uma linha sequer no programa eleitoral da AD sobre a matéria, a proposta surgiu do nada e o que é mais lamentável é que a sua fundamentação assenta num conjunto de argumentos de pacotilha e que não refletem, além do mais a orientação assumida para a reforma. É sobre o embuste da argumentação, transformada em cartilha, que até doeu como um político moderadamente equilibrado como o Pedro Duarte aplicou a cartilha no último Princípio da Incerteza da CNN Portugal...)

O principal embuste da argumentação está na invocação da “modernice” e impacto pretensamente cataclísmico da inteligência artificial e da revolução digital para justificar a necessidade da reforma, quando no documento conhecido não existe uma mínima referência que seja às alterações de legislação que essa revolução vai implicar. A isto chama-se vender gato por lebre em bom português. Aliás, não se conhece a nenhum membro do governo, mesmo aos seus mais esclarecidos elementos, quaisquer reflexões sobre o que a revolução digital significa para o muindo do trabalho. O argumento que tem sido soletrado pela cartilha é de uma indigência de banalidades que até assusta, banalidades em que a anteriormente referida intervenção de Pedro Duarte se afogou, digitalmente também, já que foi feita a partir do Porto e não partilhando fisicamente a mesa com Alexandra Leitão e Pacheco Pereira.

O segundo embuste é a ideia peregrina de que a segmentação do mercado de trabalho em Portugal, que é sem dúvida o seu principal constrangimento estrutural, se combate intensificando a precarização que marca a referida segmentação. A disposição que aparece no documento segundo a qual a realização de contratos a prazo é favorecida praticamente sem qualquer limite promove indiferenciadamente a precarização. A jornalista Raquel Martins explicita claramente no Público que “a proposta do Governo permite que um trabalhador que nunca teve um vínculo permanente possa ser contratado a termo certo, mesmo que não esteja em causa a satisfação de necessidades temporárias da empresa”. Temos por esta via a eternização da precariedade que é exatamente o contrário do combate exigido à segmentação do mercado de trabalho. A literatura diz-nos que a segmentação se combate com a generalização dos contratos sem termo, mas com flexibilização (moderada ou mais liberal consoante os padrões ideológicos dos governos) de despedimentos e uma rigorosa proteção social ao trabalhador. A medida agora proposta é totalmente perversa e eterniza a precarização do mercado de trabalho que é, precisamente, o contrário de um combate sério à precarização. Não admira que gente social-democrata moderada como Silva Peneda ou mesmo Bagão Félix tenham vindo criticar o desplante governamental em curso.

Espero que sindicatos, trabalhadores sindicalizados e trabalhadores não sindicalizados compreendam que a perversidade desta proposta de reforma da legislação laboral a ser encarada com indiferença constituirá a maior injustiça e alarvidade legislativa de todo o direito do trabalho mais recente.

Sem qualquer dúvida, não existirá medida que melhor descreva o padrão ideológico que cimenta este governo. Esta é daquelas que não engana. O espanto governamental quando ao cenário de greve geral indicia bem a perversidade de lançar cá para fora uma proposta legislativa deste calibre sob a capa de uma reforma necessária. E não há indicadores ou benesses do Economist que possam disfarçar o passo em falso protagonizado pela ministra do Trabalho e por todo o governo. Aliás, a benesse do Economist pode ter efeito boomerang. Se estamos tão bem assim, com a atual legislação, porquê eternizar a precarização e a tão vilipendiada segmentação do mercado de trabalho?

 

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