quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

SOCIOPATIA NO PODER

 


(Bradford DeLong é um economista prestigiado com uma capacidade de trabalho de espantar qualquer um, dizem os economistas que já trabalharam com ele, professor respeitado em Berkeley e autor de uma das mais fascinantes análises da economia mundial desde 1870, o conhecido e já aqui mencionado Slouching Towards Utopia. DeLong não é por isso um economista desvairado que procura a notoriedade com blogues incendiários. Tem sido aliás fiel desde sempre ao que nós identificamos com um liberal americano, sempre cioso do seu espírito crítico que procura passar aos seus alunos em Berkeley. Compreendendo este contexto, a situação objeto de análise que o leva a intitular o seu último substack com esta frase, “O seu lembrete diário de que Donald Trump é um sociopata perturbado”, deve ser de uma extrema gravidade para justificar título tão ofensivo. Como sabemos, não escasseiam os exemplos diários de que Trump vive num permanente delírio, mas o motivo direto que dá origem à diatribe de DeLong vale a pena ser contado.

Os jornais portugueses noticiaram com abundância o esfaqueamento e morte do cineasta americano Rob Reiner e da sua mulher Michele em Los Angeles, homicídio que tudo indica terá sido perpetrado por um dos seus filhos. Confesso que devido também ao assassinato à porta de sua casa, em Boston, do cientista português Nuno Loureiro, diretor de um laboratório no MIT, esse também ainda mais misterioso, não prestei a devida atenção ao crime de Los Angeles. E tão pouca atenção prestei que demorei algum tempo a associar a personalidade de Rob Reiner a uma das séries que me despertaram as mais sonoras e prazenteiras gargalhadas de toda a minha vida – Uma família às direitas. Reiner fazia nessa série o papel de liberal ativista que se confrontava com o conservadorismo imutável de Archie Bunker, personagem que antecipou no tempo grande parte da base social de apoio ao MAGA. Os confrontos entre genro e sogro, com a mulher de Bunker a protagonizar um delicioso contraponto, misto de candura, burrice e ingenuidade, são do melhor que alguma vez já se produziu do ponto de vista do embate diário entre personagens de esquerda ativista e direita conservadora.

A crónica de Pedro Adão e Silva de hoje no Público dedica-lhe a atenção que o contexto merece.

Obviamente que Reiner era um feroz adversário e crítico de Trump, como não podia deixar de ser, sabe-se lá prolongando no tempo o que o genro de Bunker fazia com tanto desplante, até amouchar para não perturbar a “paz” na família.

Vale a pena reproduzir aqui o post que Trump dedicou a tão funesto incidente: “Ontem à noite, em Hollywood, aconteceu algo de muito triste. Rob Reiner, um torturado e lutador, mas anteriormente um talentoso realizador e ator de comédia, notoriamente devido à fúria que despertou noutras pessoas através da sua massiva, inflexível e incurável obsessão com uma doença mental paralisante que designava de síndrome perturbador de Trump, algumas vezes sintetizada na expressão TDS. É conhecido que levou muitas pessoas à loucura com essa furiosa obsessão com o presidente Donald J. Trump, com a sua óbvia paranoia que foi crescendo à medida que a administração Trump ultrapassou todas as metas e expectativas de grandeza e com a Idade de Ouro da América a pairar sobre nós, talvez nunca como agora. Que Rob e Michele fiquem em paz.”

As palavras que DeLong dedicou a este mirabolante post são afiadas como lâminas, não há outra reação possível: “(…) Este post está para lá do psicótico, mas é também emblemático da sociopatia e narcisismo de Trump. Para Trump, qualquer acontecimento, não interessa quanto seja trágico ou com ele desconectado, é filtrado através do prisma do seu ego. Literalmente, tudo tem a ver com ele”.

Já sabíamos que a falta de empatia e de compaixão caracterizam o que TRump tem representado para uma certa América. Mas Trump não está sozinho. O recente tiroteio, mais um, na Universidade de Brown, matou duas pessoas. Uma mulher americana branca, Ella Cook, vice-presidente dos Colleges Republicanos e um estudante Mukhammad Aziz Umurzokov, seguramente asiático, provavelmente azeri, americano ou não, não sei. O vice-Presidente J.D. Vance dedicou um post venerando a Cook e ignorou olimpicamente a morte de Umurzokov. Terá sido por acaso? Seguramente que não. É o mesmo registo de Trump que se referiu aos imigrantes somalis como lixo humano.

Nunca a empatia e a compaixão foram bens tão escassos. E como precisamos delas!

 

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