quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

CORRUPÇÃO E ACOSSO SEXUAL: ENFIM A QUEDA DE SÁNCHEZ?

 

(Já por repetidas vezes destaquei no espaço deste blogue o verdadeiro caso de estudo que a até agora observada resistência do governo de Pedro Sánchez em Espanha representa. Cai, não cai, com sucessivos golpes e ameaças que poriam knock-out qualquer governo, Sánchez tem-se aguentado, embora à custa de um enorme desgaste e, principalmente, de soluções muito pouco canónicas, explorando todas as saídas possíveis do quadro constitucional existente em Espanha. Várias razões têm sido apontadas para justificar este equilíbrio digno de um trapezista temerário. Seguramente que a situação da economia espanhola tem ajudado. Embora não tenha sido brindada com a liderança do tal índice do Economist que tanto encantou Luís Montenegro, a economia espanhola é mais pujante do que a economia portuguesa e isso ajuda a encobrir muita coisa. Mas há também que integrar na equação a qualidade do trapezista. Sánchez é odiado por muita gente e a direita espanhola saliva o momento da vingança, mas rodeado de tanta interferência que ele próprio ajudou paradoxalmente a criar, Frankensteins que não são depois controláveis, não podemos ficar indiferentes à sua arte de navegar na turbulência mais absoluta. E, finalmente, não podemos ignorar o interesse objetivo dos seus companheiros de coligação, com relevo para a Catalunha e País Basco, sempre hábeis em retirar benefícios de uma situação de fragilidade exposta do líder da coligação, situação que os nacionalistas regionais sabem que não irá continuar por muito mais tempo, sendo por isso necessário aproveitar a onda enquanto ela dura. A situação do Sumar da vice-Presidente Yolanda Diáz tem uma natureza diferente, pois nem tem governo regional para defender, nem o seu atual poder eleitoral é muito forte, colocando-a num dilema irreparável – precipitar a queda do governo e com isso agravar ainda mais a sua baixa representação eleitoral ou continuar e deixar-se contaminar pelo carácter tóxico das ameaças que pendem sobre o governo de Sánchez.)

Mas à medida que o cerco a Sánchez se vai compondo de novas ameaças, tenho para mim que o PSOE cairá por si e as duas últimas semanas trouxeram ao meu argumento e à minha intuição uma nova força. Qual é então a novidade?

É verdade que o fenómeno da corrupção envolvendo gente do PSOE se agravou. Sobretudo, porque esse envolvimento é (ou era) de gente muito próxima de Sánchez. A técnica utilizada pelo ainda impoluto PSOE é a que indicam os livros. Expulsões imediatas do partido e circunscrição rigorosa das matérias de corrupção a um raio bem definido de influência, jogando ainda com a muito difícil prova de que os demandos dos seus mais próximos eram, pelo menos, do seu conhecimento ou, mais grave ainda, se tiveram ou não a aprovação da liderança do partido. Sánchez tem utilizado como arma de defesa a denúncia do envolvimento político aberto e declarado do sistema judicial espanhol, que tem tomado claramente partido pela cruzada do PP em desalojar Sánchez do poder. A tão conhecida máxima que António Costa costumava utilizava para se abrigar da chuva, “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça”, na situação judicial espanhola é uma autêntica brincadeira. Grande parte dos juízes espanhóis está assanhada como nunca e participa abertamente no processo de desalojamento político em curso, com ofensivas sobre a família de Sánchez, irmão, mulher e sogro e o já aqui já comentado caso do Fiscal Geral. Por isso, fazendo mossa sem qualquer ponta de dúvida a um governo já muito fragilizado, a acendalha (não necessariamente ecológica como aquela que está na imagem que abre este post) da corrupção não fez ainda mossa suficiente para precipitar a irreversibilidade da queda.

Mas estas duas últimas semanas deram conta de uma catadupa de denúncias e casos confirmados do mais descarado e ofensivo machismo e misoginia no interior do partido, com acosso sexual aberto e despudorado, que colocou as mulheres do PSOE em estado de guerra, exigindo à liderança do partido maior dureza e contundência na condenação e afastamento de gente tão moralmente desqualificada. Assim, um a um, gente de proa e também próxima de Sánchez tem caído com algum estrondo, quer por antecipação, quer por força das tais denúncias. O título da crónica de hoje do grande jornalista da Voz de Galicia que é Fernando Salgado, próximo do PSOE, diz quanto a mim tudo e antecipa uma viragem inevitável – “Esto se acabó ”.

De facto, por mais estranho e paradoxal que vos possa parecer, os casos inúmeros de acosso sexual provado que estão agora a revelar-se vão causar mais mossa do que os casos de corrupção que têm sido objeto de quarentenas políticas. As mulheres mais progressistas do PSOE terão avaliado que segurar o poder com o custo de encobrir uma contradição de tal envergadura com os valores do PSOE seria algo de inaceitável e daí a força da sua revolta interna. E, como não podia deixar de ser, as depurações por acosso transformam-se rapidamente em complexos ajustes de contas. De qualquer modo, é um PSOE alquebrado e frágil, rigorosamente nos antípodas do estado geral em que deveria estar para combater a ascensão do PP ao poder (veremos que PP sairá dessa mais que provável chegada à governação de Espanha.

Os valores da venalidade e da corrupção e os da misoginia e acosso surgem assim combinados, gerando uma onda interdependente de fragilização. Existem estruturas regionais do partido, o PSOE galego e a Andaluzia são exemplos gritantes, que apanham com esta combinação explosiva e os pode conduzir à mais completa irrelevância.

Será desta que Sánchez cairá?

 

Sem comentários:

Enviar um comentário