quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

CHEGA MONTENEGRO?

Uma vez mais, não posso estar mais de acordo com Manuel Carvalho (MC), desta vez na sua crónica do “Público” de hoje (“Respira-se melhor sem o odor da Spinumviva”). Apesar de um título que não aponta para o essencial e até pode ser suscetível de interpretações menos concordantes. A peça começa assim: “As carpideiras do regime hão de continuar por aí chorosas a recordar a beleza das suspeitas passadas para torpedear o despacho de arquivamento da averiguação preventiva do caso Spinumviva. Por isso, é bom que se insista no essencial: num Estado de direito, o que determina o que é ou não é crime, o que viola ou não viola a lei são as instâncias da justiça. A menos que apareçam novos indícios ou factos comprovados do envolvimento do primeiro-ministro num negócio suspeito da prática de crime de recebimento ou oferta indevidos de vantagem, o caso Spinumviva está morto e enterrado naquilo que importa: a sua dimensão judicial. Sobram ainda muitos ângulos de leitura e reflexão sobre a história da empresa, a forma como o primeiro-ministro decidiu sobre o seu futuro e, essencialmente, sobre os custos que essa história impôs à democracia. Mas, de uma vez por todas, a discussão deve centrar-se na dimensão de onde nunca devia ter saído: da esfera política.” Certo! E depois de incursões de diversa ordem, termina deste modo: “Sem pedras no sapato de natureza judicial, Luís Montenegro e o seu Governo receberam sem dúvida o tal ‘presente de Natal’ de que falava Amadeu Guerra. Oxalá a ausência de uma espada de Dâmocles sobre a sua cabeça o ajude agora a ter a sensatez, a transparência e o sentido de Estado que não mostrou na Spinumviva. Afastada esta nuvem negra, tem ainda mais razões para fazer o que lhe compete: governar com o aprumo e com o atino que tantas vezes lhe tem faltado.” Novamente certo!

 

Como assim, perguntar-se-ão. Pois aqui fica mais uma expressão da veracidade daquela velha máxima segundo a qual o Diabo está (ou se esconde) nos detalhes. Com efeito, o que de bom resultou para o regime democrático do facto de ontem não elimina o que de mau foi sendo revelado ao longo do tempo, desde as implicações do processo em termos de queda do primeiro governo de Montenegro (em virtude da apresentação de uma moção de confiança pela AD só retirável mediante condições impensavelmente parciais para a realização de uma CPI – por uma vez, a tal ponto chegado, Pedro Nuno Santos (PNS) teve as suas razões) a averiguações preventivas objetivamente indevidas à luz do Código Penal e da imensidão de tempo que demoraram, tendo tido por cúmulo uma finalização anunciada com breve antecedência pelo PGR em termos absolutamente inadequados (os de uma eventual prenda de Natal a vir), tudo sem excluir as reações políticas institucionais (como a de Marcelo – “a decisão é o que é”! – ou a do visado primeiro-ministro – ferozmente crítico em relação ao Ministério Público, designadamente ao comparar a averiguação a um “inquérito criminal”, e à comunicação social) e as contrarreações extemporâneas judiciais (como a do PGR, depois de ter tornado pública a decisão, vir informar que pediu escusa na averiguação invocando clima contra si). Sobre o post hoje colocado por PNS, não perderei grande tempo a analisá-lo na medida em que o problema dele esteve sobretudo no pecado original associado à gestão das relações do PS com o Governo (e quando tentou travar já foi tarde) e em que a sua carreira política parece definitivamente acabada (especialmente à luz de uma empatia declarada que passou para os seus concidadãos como um misto de arrogância e radicalismo), o que não recomenda que ponha mais na carta – não obstante, e como o próprio MC afirma, algo em torno do caráter e idoneidade (com esta carga ou outra menos intensa) de Montenegro mereceria um tratamento público sereno que se saldasse por lhe recomendarmos “a sensatez, a transparência e o sentido de Estado que não mostrou”, o que não parece de todo equacionável num País que vive dominado pelo imediatismo da refrega partidária e da maldição populista.

Ainda assim, e mesmo não desconhecendo quão acossado e arrogante tem estado o primeiro-ministro, é nulo o custo de subscrever as recomendações de “aprumo” e “atino” com que MC se dirige a Montenegro. No que me toca, aplico-as essencialmente às suas relações com um partido sem credibilidade, perigoso e completamente impróprio para consumo de Portugal como é o caso do “Chega”. Talvez ainda pudéssemos ir a tempo de males maiores...


(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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