sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

ESTRANGEIRICES

 

(Num destes últimos dias em que a criatividade para alimentar este blogue escasseava e pesquisava aleatoriamente temas possíveis para as duas páginas que, regra geral, estruturam as reflexões que proponho, regressei ao blogue Conversable Economist de Timothy Taylor que foi editor-chefe de uma das mais apreciadas revistas de economia, o Journal of Economic Perspectives. Regresso frequentemente a esta revista para atualização do estado da arte da investigação económica relevante, da que vale a pena e onde a substância não fica submersa na sofisticação formal. O Tim Taylor é um economista desconcertante, sobretudo do ponto de vista da diversidade de temas que analisa economicamente e o seu blogue constitui fonte de inspiração permanente. Já há algum tempo que alimentava a curiosidade de saber algo mais sobre a origem do muito americano Thanksgiving Day, Dia de Ação de Graças, que dá origem ao talvez mais representativo momento de reagrupamento familiar nos EUA, com o célebre peru assado no centro das atenções, recheado ou não isso não importa. Como seria de esperar o tema não podia fugir à curiosidade do Tim Taylor e é com base nessa inspiração que construo o post de hoje. Em tempos em que tradições exteriores à cultura portuguesa, o Halloween é um exemplo, ganham expressão no âmbito do que designo de estrangeirices caseiras, o Thanksgiving Day afasta-se um pouco desse modelo, já que por cá não costumávamos precisar de um dia específico para promover o reagrupamento familiar, embora o Natal continue a assumir esse papel principal. A erosão demográfica do tempo começa a fazer das suas e, por isso, não me admiraria que comecemos a precisar de comemorar um dia específico para amarrar os reagrupamentos familiares...)

A pesquisa de Taylor leva-nos a dois momentos históricos relevantes para assinalar as origens do Thanksgiving Day. Diz-nos o economista que a primeira manifestação da comemoração se deve a uma proclamação de George Washington em 3 de outubro de 1789, observada então como um evento isolado, que apenas alguns estados americanos continuaram a celebrar. A sua transformação em dia praticamente nacional dá-se bastante mais tarde, curiosamente através de uma solicitação realizada por uma jornalista americana Sarah Josepha Hale que se dirige a Abraham Lincolm em 1863 para transformar a última quinta-feira de novembro num feriado nacional.

Os escritos existentes de Washington e de Lincolm integram aspetos muito curiosos, um dos quais é a controvérsia suscitada pela primeira proclamação de Washington. Várias personalidades da altura insurgiram-se com a intervenção do Estado na declaração de graças, entendida por essas personalidades como algo pertencente à esfera da consciência individual e não a uma proclamação por decreto.

Mas na proclamação inicial de Washington há matéria muito interessante sobre as matérias sobre as quais os americanos deveriam dar graças. Além obviamente dos agradecimentos a Deus todo o poderoso pelas benesses concedidas à nação americana e do pedido de proteção (resquício do God Bless America), há uma parte final da declaração que é em si preciosa: “(…) assegurar que o nosso governo nacional possa ser uma benesse para todos, assumindo-se permanentemente como um Governo que elabora leis sábias, justas e constitucionais, discretamente e confiadamente executadas e obedecidas – para proteger e guiar todos os Soberanos e Nações  (especialmente as que mostrem gentileza para connosco) e abençoá-los com bom governo, paz e concórdia – promover o conhecimento e a prática da verdadeira religião e virtude e incrementar a ciência entre eles e nós – e em geral garantir a toda a Humanidade o melhor grau possível de prosperidade temporal”.

Quando lia a proclamação de Washington, foi indisfarçável a tentação de comparar a bondade daqueles princípios, que Lincolm haveria de consagrar também na proclamação definitiva de 1863, com o estado da arte atual da governação de Trump.  A alusão a leis sábias, justas e constitucionais e a sobretudo a referência ao papel da ciência feita há 236 anos mostra mais sabedoria do que é hoje praticada em Washington D.C. Se isto não é um indicador da regressão humana, apresentem-me outro exemplo mais convincente do que este.

Mas esta diatribe sobre o Thanksgiving Day não poderia terminar sem uma alusão ao que é colocado na mesa dos americanos nessa noite, recheado ou não, isso não importa. Tim Taylor assinala que a importância do peru na refeição dessa noite continua a descer lentamente, mas a descer. Mas o que parece assustador é o aumento do peso médio do peru que vem para as mesas. O economista associa este aumento de peso à evolução tecnológica da produção de perus, com a consequência algo estranha da sua criação ser concretizada por inseminação artificial, dado o peso dos bichos.

Estes economistas …

 

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