segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

RESISTÊNCIA DE OUTROS TEMPOS

 

(Já por repetidas vezes insisti neste blogue na relevância da resistência polaca durante os tempos da repressão soviética, alicerçada sobretudo em torno do movimento sindical do SOLIDARIEDADE. Existem vários elementos de interesse e valia de análise histórica em torno desse movimento, um dos quais é seguramente o da diversidade ideológica e de pensamento que foi possível fazer convergir numa luta impiedosa pela liberdade. É conhecida por exemplo a formação religiosa de Lech Walesa. Mas uma das perspetivas de análise mais sugestivas que aquela resistência suscitava era a da escolha permanente das margens de transformação possível, e obviamente também de compromisso, que era permanentemente necessário realizar para lidar com a repressão implacável da presença soviética. Se a personalidade de Walesa era a que suscitou maior notoriedade, o movimento era conhecido pela consistência de pensamento, indissociável de reflexão e produção teóricas, não de grandes manuais de ciência política, mas de uma prática reflexiva constante e fundamentada, cuja natureza e alcance reivindico por exemplo para aplicação noutras áreas, das quais destaco o planeamento. Por exemplo, menos afastado dos holofotes mediáticos, o ainda vivo, creio eu, Adam Michnik, diretor do  Gazeta Wyborcza, historiador, filósofo e ensaísta sempre representou um dos pilares da tal consistência de pensamento do Solidariedade. Já a ele me referi em crónicas passadas (por exemplo aqui). Um obituário do New York Times internacional de fim de semana, cuja leitura faz parte das minhas rotinas de sábado ou domingo na praça de Caminha, permite-me aqui invocar mais uma das personalidades, menos mediáticas, que muito contribuiu para a ascensão daquele movimento que venceu as célebres eleições de 1989 depois de uma longa luta cm as autoridades soviéticas.)

A personalidade que hoje invoco assumia funções hoje incompreensíveis e até obsoletas para as gerações mais jovens com impulso para a participação política. Miroslaw Chojecki era um dissidente polaco residente em Paris (tendo passado por Nova Iorque) que se notabilizou em plena preparação das eleições de 1989 pelo envio de cerca de 50 aparelhos de Fax para a Polónia para ajudar à afirmação do voto dissidente no Solidariedade. Esse envio de material para a Polónia aconteceu depois de 15 anos ininterruptos de dissidência interna e depois de exílio em Paris, a ponto de ser considerado como o editor do movimento, com uma intensa atividade em torno de máquinas de impressão para ajudar à disseminação do pensamento político do movimento. Em 1977, Chojecki criou uma editora independente, a NOWa, que haveria de se destacar na disseminação da resistência. Outros tempos, claro. Na sua qualidade de químico imaginativo (licenciatura na Universidade de Varsóvia), o editor chegou a criar a sua própria tinta de impressão, intensificando o poder editorial do movimento, em tempos em que a Internet era uma miragem e nos quais a capacidade, rapidez e mobilidade (para escapar à repressão) de impressão era o poder de fogo da dissidência. Essa atividade teve especial importância nos tempos das célebres greves de Gdansk de 1980 que haveriam de conduzir as autoridades polacas ao reconhecimento do movimento criado em 1976.

A notícia da morte de Miroslaw Chojecki no passado dia 10 de outubro foi publicamente comunicada por uma Associação para a Liberdade de Expressão, da qual Chojecki era Presidente Honorário, já sem a necessidade da sua inventiva de impressão para alargar a sua difusão.

Um exemplo de resistência de outros tempos, que poderia ser replicada com exemplos da resistência portuguesa, materiais e experiências que deveríamos ter sempre presentes, que não seja apenas pela necessidade de barrar o caminho às execráveis tentativas de reescrita da história que as pífias comemorações do 25 de novembro quiseram impor à sociedade portuguesa.

Bom feriado, com impulsos nacionalistas moderados.

 

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