(Transpondo a metáfora climática para a política, apetece-me dizer que o PS anda a brincar perigosamente com o fogo. Assim, se a canícula que vivemos por estes dias recomende as maiores cautelas no nosso comportamento em áreas de combustível abundante, também na política se vive um ambiente quente, no qual as decisões tomadas o devem ser com a maior frieza possível. Recolho neste sentido duas evidências gritantes da falta de cuidado que as hostes socialistas estão a revelar. A primeira está relacionada com a candidatura de Manuel Pizarro, em torno da qual procuro alguma chama que me estimule a um posicionamento mais caloroso da minha parte para com a candidatura, embora não vote no Porto, mas antes em Vila Nova de Gaia, onde vai ser necessário uma ampla frente de esforços para barrar o regresso do instável Luís Filipe Meneses. A segunda evidência, embora tenha aqui de registar um artigo demolidor de Manuel Carvalho sobre a geriatria do novo Conselho Estratégico criado por José Luís Carneiro, que me tramou a abordagem possível, é a completa ausência de sentido de mudança que a composição daquele Conselho representa, com algumas exceções que analisarei mais adiante. Podem dizer-me que se trata de evidências isoladas, às quais poderemos estar a conceder uma importância que não valha a pena, sobretudo no contexto da canícula e da “silly season” em que já estamos mergulhados, agora que o sempre venerável agosto está aí à porta. Ponderada embora essa possibilidade, fica aqui a minha avaliação, que vale o que vale, em parte também geriátrica, mas não é pelo facto de estar na segunda metade dos 70 que devo abster-me de escrever o que penso.)
Vamos por partes. A candidatura de Manuel Pizarro à Câmara Municipal do Porto lá vai avançando, imagino que estimulada pela grande dispersão de candidatos à direita, com o sal e pimenta, dizem as más-línguas, de que Rui Rio estará a influenciar a candidatura do Doutor Araújo (o António do Hospital de S. António e não o Fernando do S. João, ex-CEO da Saúde). Sendo médico e ligado ainda profissionalmente a essas questões, e gozando da plena liberdade que lhe assiste para escolher quem entender para mandatário da sua candidatura, soube-se que Pizarro escolheu um empreendedor na área da saúde, Virgílio Bento, fundador da Sword Health. Até aqui tudo nos conformes da liberdade de escolha do candidato. Mas veio rapidamente a saber-se que o dito cujo Virgílio Bento é apoiante confesso de Carlos Moedas em Lisboa e aqui, desculpem o vernáculo, já a porca torce o rabo. A candidatura coligação de Alexandra Leitão a Lisboa vai colocar o PS sob fogo permanente e sistemático, reproduzido até à exaustão pelos media cúmplices de Moedas, de que a candidatura coligada da AD é a imagem da mais pura moderação, a pomba branca dos santinhos, face ao pretenso radicalismo de Alexandra e seus parceiros de coligação. Ora, o significado para o eleitorado (recordemos que as autárquicas irão ter obviamente uma leitura nacional) do mandatário de Pizarro apoiar Moedas vai ter obviamente uma leitura política, embora o empreendedor Virgílio Bento possa invocar que esse é o seu entendimento da melhor via para barrar o caminho ao Chega na capital. Com amigos destes, na Área Metropolitana de Lisboa já o sabíamos a começar pela aposta socialista de apoio ao Leão de Loures, e agora na Área Metropolitana do Porto com o mandatário de Pizarro a colocar-se ao lado de Moedas, os desafios de Alexandra Leitão são múltiplos. Falta-nos um Jorge Sampaio com a sua genialidade política para justificar o alcance da coligação à esquerda que tão bem protagonizou, embora também nos falte hoje no PCP alguém como Rui Godinho para compreender o alcance da coligação.
Quanto ao Conselho Estratégico do PS, também nada a opor à liberdade de escolha de José Luís Carneiro dos seus membros e à sua qualidade curricular e do seu coordenador Augusto Santos Silva. Mas convém contextualizar o que se espera de um conjunto de personalidades desta natureza no momento atual da vida política portuguesa, em que o PS necessita de recuperar eleitorado sobretudo pela banda dos mais jovens. Convém recordar que o eterno namoro do PS com o eleitorado mais velho e reformado encontra na habilidade política de Montenegro, a roçar a demagogia, um adversário de respeito, a recomendar opções diversas em matéria de eleitorado a privilegiar nas suas mensagens. Ora este Conselho não é propriamente um Conselho Consultivo para estudos de geriatria ou de uma política saudável de envelhecimento ativo. Dele espera-se um contributo ativo para a renovação do pensamento político e sobretudo ideias que atraiam a atenção dos mais novos, dos mais qualificados claro está, mas também daqueles que precisam de apoio para construírem uma trajetória de fuga à exclusão.
Já referi que o artigo de Manuel Carvalho sobre o assunto é tão contundente que me retirou o gozo de escrever esta peça. É um artigo duro, mas o PS precisa de ouvir coisas duras a ver se consegue acordar de uma letargia que começa a ser irritante.
Podem dizer-me que há na composição do Conselho alguns nomes desconcertantes. Um deles é o CEO automóvel Carlos Tavares, de projeção internacional. Essa escolha tanto pode sugerir que: (i) José Luís Carneiro trará consigo uma nova maneira de lidar com o mundo empresarial, matéria que o PS tem olimpicamente ignorado quando tem em pessoas com capacidade de diálogo com o partido como o meu Amigo Guilherme Costa gente com conhecimento e experiência para o conseguir; (ii) ou que o nome de Carlos Tavares é simplesmente um fogacho para impressionar a malta e mostrar que o mundo empresarial não abomina o PS na governação. Convenhamos que não é a mesma coisa. Mas o Conselho, tal como está configurado, está cheio de senadores, cujo pensamento é por demais conhecido e dos quais não se conhece nos últimos tempos qualquer ponta de novidade. Os senadores têm sempre lugar nestas coisas, sobretudo em momentos de crise em que é necessário valorizar a memória e a experiência. Não me parece ser este o caso. O momento é pelo contrário de desespero pela mudança.
Sabendo eu que a fuga para o exterior dos jovens mais qualificados não é apenas fruto das nossas inferiores condições remuneratórias, mas também e sobretudo muitas vezes a perceção por eles sentida de que os modelos organizacionais vigentes bloqueiam a sua ascensão nas instituições, será que a imagem deste Conselho Estratégico prenuncia a atratividade da mudança. Leiam o Manuel Carvalho.
Podíamos fazer o teste não do algodão, mas o de submeter este Conselho a um conjunto de perguntas incómodas: (i) o que é que o Conselho tem a dizer sobre os problemas trágicos do Douro? (ii) porque é que o tecido empresarial internacionalizado e aberto à mudança do Noroeste peninsular (Ave, Cávado, AMP e já parte do Alto Minho) continua insuficientemente representado em poder de decisão? (iii) como recuperar o pensamento sobre habitação em que o PS já foi mestre e agitador? Como é que o turismo pode potenciar a modernização da nossa estrutura produtiva? Como reequilibrar o país? Que ideias etária e intelectualmente novas pode o Conselho trazer a estas questões?
Espero que partilhem a minha curiosidade sobre as possíveis respostas.







