(Cá por cima tendemos a ser impiedosos a denunciar incompetências, descoordenações ou má utilização de fundos públicos, europeus ou nacionais, quando se observam mais lá para baixo, sobretudo na capital e na sua corte. Gostaria que mantivéssemos esse espírito crítico no seu nível mais elevado quando o objeto da sua aplicação acontecesse por estas bandas. Tenho evidência que me diz o contrário, que temos sido demasiado brandos ou complacentes em relação a muitas coisas que por cá acontecem e que não nos mereceram a atenção mais crítica. Cito apenas dois casos e desenvolverei apenas um deles. Tive há dias informação sobre o estado da arte em matéria de execução financeira do Programa Regional Norte 2021-2027 e a taxa de execução financeira é neste momento perigosamente baixa, inferior a 4%. Diz-me quem tem trabalhado mais de perto com operações financiadas por aquele Programa Regional, o que não é manifestamente o meu caso, que a tramitação das operações é calamitosamente lenta, plena de constrangimentos burocráticos e administrativos que as estruturas de gestão não conseguem resolver atempadamente, alongando incompreensivelmente processos de aprovação. Não tenho ouvido nem lido qualquer agitação crítica em torno destes problemas de execução, que estranhamente e em termos comunicacionais parecem limitados ao PRR, criando uma enorme ilusão de que tudo o resto vai indo na perfeição. A outra questão à qual dedico o post de hoje é proporcionada pela vida atribulada do projeto de Metrobus. A questão está a assumir formas de caricatura e por isso não hesitei em atribuir-lhe um título que alguns poderão considerar ofensivo – uma verdadeira palhaçada. Tentarei mostrar com algumas notas de reflexão a justeza da minha classificação.)
A génese do projeto do Metrobus é um processo estranho. De facto, nunca observei ninguém a defender com entusiasmo as virtudes do projeto e as más-línguas chegam a mesmo dizer que ele avançou pela força persuasiva de um consultor e especialista em transportes, que por acaso conheço e que, por isso, não gostaria de explorar essa via explicativa. Sempre fiquei com a ideia de que o executivo municipal de Rui Moreira não morria de amores pelo projeto. Fiquei também com a impressão de que outras entidades regionais ou não se quiseram pronunciar ou encolheram os ombros num gesto complacente e que os STCP lá iam fazendo a sua função para levar o projeto a bom porto, sobretudo para não passar pela incómoda posição de não utilização de fundos europeus alocados ao projeto.
Grande parte das minhas interrogações basearam-se inicialmente no facto de desconhecer se o projeto teve estudos de procura autónomos a suportá-lo ou se recorreu a inquéritos realizados no âmbito de uma possível implantação de uma linha da rede metro ao longo da avenida da Boavista. Informações laterais têm-me sugerido que os STCP estão esperançados que a Universidade Católica seja a fonte de procura principal, além claro está dos fluxos de turistas que se deslocam a Serralves.
Até aqui nada se passaria de fundamentalmente diferente em comparação com outros projetos cofinanciados por Fundos Europeus. Muitos desses projetos nascem agónicos na sua afirmação inicial, aguardando que a sua implementação desperte procura adormecida.
Mas onde o projeto começa a tornar-se caricatural é na série de peripécias que a sua implementação está a suscitar e estou já a dar de barato os incómodos extremos que a construção do canal entre a Rotunda e a Praça do Império despertou nos utentes regulares da Avenida da Boavista. Primeiro, as dúvidas constantes sobre o início de funcionamento daquele meio de transporte, essencialmente associado à não existência de veículos prontos para utilização imediata, dizem-nos que alguma coisa falhou em termos de engenharia e coerência do projeto. A existência de portas de entrada à esquerda era algo que se conhecia há muito, por isso tais dificuldades adensam a ideia de que o Metrobus foi mais um projeto consentido do que propriamente desejado de início.
A caricatura adensou-se quando se percebeu que o projeto arrancou sem uma posição definida sobre o modo como os veículos iriam dar a volta e iniciar a marcha em sentido contrário no terminal da Rotunda da Boavista. A ideia da inversão de marcha no mesmo canal de chegada é simplesmente anedótica, pois à vista desarmada era fácil de verificar que tal operação além de não ser fácil, implicaria uma clara invasão das faixas de rodagem da via ascendente para a Rotunda da Avenida.
O teatro associado oscila entre a comédia e a tragédia, pois estamos agora na óbvia constatação de que os veículos terão de contornar a Rotunda da Boavista, inseridos no tráfego normal, para iniciar do outro lado do canal a viagem em direção à Praça do Império.
Para completar o quadro lamentável de tudo isto, Rui Moreira rasgou as vestes e afirma ter de deixar para o próximo Executivo e para o Governo (estarei a ouvir bem?) a “tenebrosa” decisão de fechar o projeto.
Lamentável e uma palhaçada à moda do Porto, lamento dizê-lo, mas não há outra maneira de caracterizar o imbróglio.

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