(Este fim de semana trouxe-nos boa literatura para reflexão. É o caso do ensaio do Professor José Tavares no Expresso e da crónica de António Barreto no Público. Ambos exigem uma reflexão mais longa do que é para mim possível neste início de férias dos netos do Porto em Seixas, que obriga ao aproveitamento do momento. Quedo-me, por isso, com a corajosa crónica de José Pacheco Pereira (JPP) no Público de sábado simbolicamente intitulada de A Cloaca. É sobre esta que vou debruçar-me, pois ela vem ao encontro do que tenho vindo a refletir sobre esta onda de agressividade que, interrogo-me, não sei ainda se alimenta o fenómeno do Chega ou quejandos ou se é, pelo contrário, alimentada por ele. A questão interessa-me, pois ao contrário do que muitos pensam hoje, não estou totalmente convencido que o fenómeno do ressurgimento da direita radical e agressiva tenha que ver apenas com questões de ressentimento, de marginalização por parte das forças políticas que têm governado ou que trabalham na oposição e de incapacidade política de compreender esses contextos. Esses fatores pesam, por certo, e há investigação empírica que o sugere, designadamente em termos de interpretação da geografia eleitoral, mas em meu entender são potenciados por um outro fenómeno, o da degenerescência da espécie humana, questão com a qual a democracia tem convivido mal, principalmente porque abre passadeiras de tolerância a que essa degenerescência se manifeste sem pudor.)
JPP foi corajosamente buscar à cloaca das redes sociais um conjunto de insultos, obscenidades, ataques pessoais, violência verbal descontrolada e outras alarvidades que lhe foram pessoalmente dirigidas na sequência de uma das suas últimas intervenções no Princípio da Incerteza, programa no qual JPP atacou forte e feito a hipocrisia do Chega após a maléfica divulgação de nomes de alunos que aquela força política considera incompatíveis com a sua noção de portuguesismo.
Quem lê aqueles atropelos sérios à tolerância e à convivência democrática compreende que, protegidos pela cloaca das redes sociais que os acolhem e aplaudem, é gente que pode ir consequentemente das palavras a atos mais violentos. Independentemente das condições de ressentimento que podem estar a alimentar ao longo de tempos acumulados, das condições concretas de frustração que as suas vidas desinteressantes e amarguradas podem estar a gerar e da marginalização de que se sentem vítimas, numa sociedade cada vez mais polarizada e desigual, aquele tipo de ódio que é manifestado naquelas palavras é ele próprio produto de uma degradação humana que tende a reproduzir-se à medida que se expressa e manifesta.
Usando a linguagem que é cara ao meu colega de blogue, peço imensa desculpa, mas o estado de degenerescência de comportamento anti-tolerância que este tipo de cloaca acolhe só se realiza respondendo ao apelo das forças políticas preparadas para sugar aquele tipo de comportamento até ao tutano. Assim como temos o dever moral de combater qualquer tipo de terrorismo que invoca uma situação de injustiça ou de opressão para se manifestar pela violência, também neste caso o ressentimento ou a marginalização não podem ocultar a degradação de comportamento humano que esses terroristas da linguagem estão a veicular.
E, para espanto de todos, o problema é que os seus representantes mais próximos na Assembleia da República têm no pouco vertebrado Aguiar Branco a passadeira vermelha mais propícia para viabilizar a sua presença. É apenas um sinal dos tempos e dos rumos que a condescendência tende a introduzir na democracia portuguesa, numa tendência que começou noutros lugares e que uma interpretação, inteligente e não mecanicista da História, nos deveria ter ensinado a precaver-nos com o tempo adequado.

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