(O acesso à política não deve estar vedado a ninguém e é positivo que a tribo se renove, não a partir de dentro, mais propriamente da frequência desde pequenino das máquinas partidárias, mas com personagens da sociedade civil e da academia, embora desta última temos de convir que os exemplos nacionais não são entusiasmantes, para ser brando, diga-se. Mário Centeno é uma dessas figuras. Académico reconhecido, particularmente na área da economia do trabalho, foi ele que desenvolveu já há algum tempo a abordagem mais consistente ao problema estrutural do mercado de trabalho em Portugal que é a sua perigosa segmentação. Sou dos que considero que os problemas que enfrentou no Banco de Portugal quando a sua candidatura à Direção do Gabinete de Estudos foi inviabilizada por questões que foram para mim na altura um verdadeiro mistério constituíram uma injustiça face ao seu percurso académico internacionalmente reconhecido entre pares. Quando Mário Centeno apareceu publicamente ligado à preparação do Programa de Governo para o 1º Governo de António Costa e assumiu depois funções de Ministro das Finanças, não imaginei, e creio que muita gente se juntará a mim neste juízo, que ali existisse campo promissor para a formação de um político de raiz. Quando, em paralelo com o ministério das Finanças, Centeno foi eleito para presidente do Eurogrupo em dezembro de 2017, tendo exercido funções de 13 de janeiro de 2018 a 12 de julho de 2020, essas dúvidas começaram a dissipar-se, acrescentando ao seu percurso uma dimensão internacional que, na parte académica, já desenvolvera com e a partir do seu doutoramento em Harvard. A sua passagem direta de ministro das Finanças para Governador do Banco de Portugal em julho de 2020 mais adensou a sua opção por um percurso de raiz política, embora este meu juízo possa ser questionável atendendo à constitutiva independência que assiste ao cargo de Governador. Mas a aceitação de uma passagem direta de ministro para Governador só nesse plano pode ser entendida. A confirmação de tal opção deu-se, em meu entender, quando Mário Centeno aceitou ser associado à ideia de António Costa de passar-lhe o seu testemunho como primeiro-Ministro sem realização de eleições, na sequência do famigerado parágrafo da Procuradora Lucília Gago que determinou a demissão de Costa.)
Este longo introito é, em meu entender, necessário para contextualizar a para mim incompreensível e lamentável posição em que Centeno se deixou colocar com as condições concretas suscitadas a propósito da sua suposta substituição ou recondução como Governador do Banco de Portugal. Não vou discutir a aprendizagem política de Centeno ao longo de todo este processo desde que se desprendeu da sua função de académico e elemento dos quadros de economistas do Banco de Portugal. Tudo indica que essa aprendizagem foi real, caso contrário provavelmente o seu percurso teria sido outro. Mas combinando o prestígio do seu perfil académico com essa aprendizagem e ascensão políticas, é de facto lamentável que uma personalidade deste calibre se sujeite ou se tenha deixado armadilhar e o que está a passar-se não é bonito, nem abona a favor de Centeno e de quem o pretende substituir, legitimamente esclareça-se.
Olhando com atenção todo o processo em torno da possível substituição de Centeno, compreende-se muita coisa.
A primeira fase foi observada com o lançamento dos nomes de Ricardo Reis (London School of Economics e talvez o nosso macroeconomista mais internacionalizado e prestigiado entre pares internacionais) e Vítor Gaspar (o que coincidiu com a sua anunciada saída de um posto importante no Fundo Monetário Internacional). O meu amigo Daniel Bessa, sempre disposto a uma bicada em tudo que lhe lembre o PS, rejubilou de alegria com os nomes de Reis e Gaspar. Pelo andar da carruagem e pelo que alguns jornalistas vieram a terreiro dizer, estes nomes não terão sido confirmados, sabe-se lá por que razão. De facto, logicamente, se Sarmento e Montenegro tivessem na manga a aceitação de alguns destes nomes não estariam na prática pública a criar suspense quanto à substituição de Centeno e viriam publicamente rejubilar-se como o fez o Daniel Bessa pelo nome cuja aceitação do lugar teriam conseguido.
A segunda fase é ainda mais lamentável para Centeno e essa protagonizou-a Montenegro. Deu-se ao desplante de considerar, cinicamente, que Centeno tinha todas as condições aliás como outros candidatos, adensando o suspense sobre a sua decisão de substituição ou renovação. Centeno passou à situação de lume brando.
E, finalmente, entrou em cena o insubstituível para estas coisas Luís Rosa do Observador, desencantando um processo menos claro protagonizado por Centeno a propósito do projeto de construção da nova sede do Banco de Portugal. Obviamente, ao que se seguiu um pedido de inquérito pelo ministro das Finanças Sarmento a realizar pela Inspeção Geral de Finanças.
Há vários cenários possíveis aqui em jogo. Estou com omeu colega de blogue e com a ideia de que a substituição de Centeno era uma hipótese cantada no mais fino estilo musical. A minha única dúvida é se a escolha do novo Governador envolve alguém inatacável (caso por exemplo dos nomes que fizeram Bessa exultar com essa possibilidade) ou se perante as negas encontradas o caso da sede do Banco de Portugal vai servir para enquadrar o possível downgrading da figura escolhida.
De qualquer dos modos, pode questionar-se: Mário Centeno para quê tudo isto? Terá valido a pena tanta e fatal hesitação entre afirmação e intervenção públicas (legítima e de que tanto precisamos) e intervenção política?

Sem comentários:
Enviar um comentário