Tomei ontem conhecimento da morte de Michel Aglietta (MA). Este economista e professor francês, nascido em 1938, foi seguramente, no domínio da Economia, um dos grandes investigadores e teóricos do segundo quartel do século XX e primeiro do século XXI – um pensador brilhante e um trabalhador incansável, autor de uma obra notável, que só não obteve maior reconhecimento internacional devido à relativa limitação associada à perda de importância da França no contexto. Autor da obra fundadora da chamada “Escola da Regulação” (1976) – “Régulation et crises du capitalisme” –, na qual explica as crises económicas e as dinâmicas de longo prazo das economias capitalistas, MA foi o principal animador de um movimento teórico que ultrapassou muitas fronteiras, especialmente no contexto europeu e latino-americano, e em que sobressaíram vários outros investigadores de mérito (com destaque para Robert Boyer).
Duas caraterísticas comandam a essência dos trabalhos de MA: a interdisciplinaridade, designadamente no que toca ao papel determinante da História para a compreensão dos fenómenos económicos e à sustentação da ideia de que os mercados e a moeda constituem construções sociais, e o seu crescente investimento na investigação em torno da moeda, da teoria monetária e dos mercados financeiros, deixando obra altamente original e relevante. Nas duas últimas décadas, também fruto da sua ligação ao CEPII enquanto conselheiro científico, MA consagrou esforços a domínios alternativos, embora complementares, como sejam os da construção europeia e da moeda única europeia, da macroeconomia internacional, dos modelos de capitalismo, das derivas e desordens do sistema financeiro e da governação económica internacional, da compreensão dos trunfos e contradições da economia chinesa ou das interações entre crescimento económico e uma necessária institucionalização dos desafios decorrentes da transição energética e ambiental.
Tendo adquirido a sua formação de base na “École Polytechnique”, MA doutorou-se em Economia sob a orientação de Raymond Barre, foi administrador do INSEE, fez o essencial da sua carreira docente e académica na Universidade de Nanterre e ocupou diversos cargos de assessoria governamental e europeia ao mais alto nível, no “Conseil d’Analyse Économique” e no “Haut Conseil des Finances Publiques” ou no CEPII, onde se tornou figura central desde a sua criação (final dos anos 70) e decano até ao final da vida.
Permita-se-me uma referência pessoal. A atração pela investigação de MA foi a razão principal para a minha opção por Paris enquanto local de doutoramento e quero aqui recordar a primeira interação pessoal que com ele tivemos (eu e o meu amigo Guilherme Costa) na Universidade de Amiens, onde lecionava em 1979/80, e a respetiva sequência já no CEPII (à época na “Rue Saint-Denis”), assim como a forma como sempre nos distinguiu com a sua disponibilidade para acompanhar o que íamos fazendo naqueles anos da primeira metade dos anos 80. Recordo ainda a autêntica mobilização de estudantes que existiu em torno da sua aula de final da tarde em Paris I e os momentos de deslumbramento intelectual que tantas vezes suscitava. Recordo, por fim, aquela sua aceitação do meu convite para vir ao Porto e por cá nos presentear com um excelente e muito profissional curso no IESF e com duas magníficas conferências na FEP. Para mim, MA permaneceu como alguém cujas publicações sempre procurei com afã nas estantes das livrarias que fui frequentando ao longo de todos estes anos em Paris, Estrasburgo ou Bruxelas, bem assim como nas revistas e jornais de toda a espécie onde escrevia e divulgava alguns frutos do seu pensamento.
MA desapareceu no dia 24, mas a vastidão e espessura do seu legado e o lastro do seu exemplo pessoal ficarão a marcar a passagem de alguém cujo estatuto e dimensão estiveram bem acima das expectativas que provinham da sua circunstância e das circunstâncias do seu tempo. Na minha biblioteca, tenho uma prateleira a abarrotar de exemplares imbuídos da excecionalidade e singularidade do homem que foi Michel Aglietta.




















