sexta-feira, 14 de outubro de 2011

COMO SE CHEGOU AQUI?

Nota explicativa prévia: tinha a minha ordenação de razões "bloguistas" pensada de modo a fazer um sentido lógico; todavia, a perturbação de estar a assistir ao vivo à decomposição e ao empobrecimento do país onde nasci, levaram a que me decidisse por uma reacção a quente; em dois planos: o português (neste post e no próximo) e o europeu (no seguinte). Quanto à lógica, ela há-de seguir "dentro de momentos"...


Cada vez são mais os que formulam, sob diversas formas, a “pergunta crucial”, nos termos de uma qualificação recente de Vasco Pulido Valente que é digna sucessora do “Isto” com que previamente brindara este rectângulo peninsular: “como se chegou aqui?”

Não me refiro tão-só, nem principalmente, aos “pensamentos, palavras e obras” que nos conduziram ao vergonhoso estatuto de “protectorado da troika” – matéria igualmente relevante mas deixada para outras incursões –, antes sim ao longo processo de irresponsável (des)construção que o “Portugal democrático” acolheu e acumulou enquanto sucessivamente se desmultiplicava/entretinha em ilusões mais ou menos fáceis como procurar novos equilíbrios, receber e gastar volumosos “tesouros” e adoptar atitudes típicas de um novo-rico divinamente abençoado; sem prejuízo de forçosamente também se terem verificado, diferenciadamente, aumentos de níveis de vida, melhorias de condições sociais, incrementos de competências e modernizações de infraestruturas e equipamentos.

É um tal processo de “percepção mais ou menos difusa dos desequilíbrios e desajustamentos” que José Madureira Pinto (com Virgílio Borges Pereira) tão judiciosamente veio designar por “inconsistência institucional”, lembrando ainda a estreita ligação do conceito a reivindicações em favor dessa coisa indefinível a que se vai chamando, quase sem critério, “reformas estruturais”.

“Elites” desertoras, corporações invioláveis, partidos viciados, cidadãos conformados e um Estado capturado, tais foram os ingredientes essenciais que fizeram um país com desastre anunciado… (veja-se, a propósito, “Portugal e a sua cruz” do cartoonista Rodrigo, Expresso).


Inebriados pelo “capitalismo de Estado” que fomos deixando crescer, assumimos sem contestação as ideias de vícios públicos e dívida maléfica, toda e qualquer. A ponto de perdermos referências e acabarmos a desprezar as manifestações cada vez mais visíveis do nosso maior problema económico estrutural, o baixo crescimento tendencial e o seu reflexo em termos de desequilíbrio externo. Ao que o Euro a que aderimos também não ajudou, visto que viria a tornar-se uma moeda demasiado forte face às nossas necessidades competitivas; como não ajudaram, ainda, os dogmáticos critérios de estabilidade nominal (e fundamentalismo orçamental) estabelecidos à entrada da moeda única e para posterior controlo de boa execução. Na contra-corrente, porém, o Euro serviu para facilitar um financiamento fácil e barato, “à alemã”.

E assim fomos somando anos sem fazer “os trabalhos de casa”, anos de um sector financeiro “em roda livre”, anos de patrocínio objectivo aos sectores “abrigados” ou de bens não transaccionáveis, anos de fomento do consumo em relação à actividade produtiva, anos de uma vida colectiva acima das verdadeiras possibilidades do país. Já na recta final de todo este processo, e após uma franca melhoria das finanças públicas, a confusão aumentou de novo a coberto da “onda de pseudo-keynesianismo” que varreu a política económica mundial em finais de 2008 e em condições internamente agudizadas pelo ano eleitoral que se seguiu.

Estamos agora a conhecer, em tempo real e às mãos da Troika e dos insaciáveis mercados, a continuação desta história de final previsível: os cortes levam à redução do crescimento económico, dificultando a amortização da dívida e mantendo intocáveis as condições subjacentes à alimentação do défice e do endividamento externo das empresas. Além de que, como diz a canção e hoje se viu: “o corpo é que paga”…

Sem comentários:

Enviar um comentário