domingo, 23 de outubro de 2011

GATO ESCONDIDO …


Enquanto que no ambiente non stop de reuniões e contra-reuniões em Bruxelas se pratica a vertigem do abismo de uma saída para o euro e projecto europeu, convém estar atento a documentos que vão sendo conhecidos e que vão dando conta da inconsistência interna da abordagem assumida para atacar a crise das dívidas soberanas. É verdade que o apagão das instituições europeias é preocupante, constituindo em si próprio um tema para futuras reflexões. Mas por agora as mensagens que transparecem de documentos de circulação restrita justificam alguma atenção.
Embora classificado de “strictly confidential” circula na NET um documento, “Greece: Debt Sustainability Analysis” (21 de Outubro de 2011), elaborado no âmbito da Comissão Europeia, que considero crucial para compreender o que poderíamos chamar a “revelação da inconsistência”. Aparentemente, o documento estará a ser tido em conta na vertigem de reuniões acima referida e visa dar alguma fundamentação à imposição de cortes da dívida grega a assumir pelo sector privado. Mas no meu entender o documento vale mais do que isso. Ele permite avaliar em que medida a incapacidade da estratégia mais ou menos punitiva concretizar os seus próprios objectivos se revela em toda a sua fragilidade, interiorizando a insustentabilidade do ambiente que vai criando. A abertura não pode ser mais eloquente: “Desde o quarto relatório de monitorização, a situação na Grécia evoluiu para o pior, com a economia a ajustar-se crescentemente mais por via da recessão e dos mecanismos associados de salários-preços do que por aumentos de produtividade determinados por reformas estruturais.” Esta é uma das ilusões que exige um combate persistente. De facto, a questão que está em causa é que uma terapia deste tipo tende a privilegiar os referidos mecanismos recessivos de ajustamento, sendo a miragem dos aumentos de produtividade uma espécie de publicidade enganosa.
A imprensa de hoje refere generalizadamente impressões captadas na esfera governamental sobre a precária interacção entre o que se vai impondo em Portugal e o que se vai discutindo na vertigem das reuniões de Bruxelas. Considerando que a ortodoxia declarada da equipa económica do Ministério das Finanças aparentemente acredita nas “virtualidades” da terapia, não é difícil imaginar o impacto em Portugal de uma eventual mudança ou ajustamento de rumo ditado pela situação da Grécia. Se a comunicação da estratégia não tem sido famosa, imagine-se o que não será um cenário em que a abordagem punitiva é desacreditada pelo “ter de ser” dos factos.

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