sexta-feira, 14 de outubro de 2011

UMA EUROPA ALEMÃ

(ilustração de Rainer Hachfeld em "Eleftherotypia", http://www.enet.gr)
(ilustração de Peter Schrank em "The Economist")
(ilustração do italiano Giacomo,
reproduzida de httpwww.toonpool.com)
A Europa, hoje

A Europa – que o mesmo é dizer, em expressões diversas e diversamente relevantes, a União Europeia ou a Zona Euro – está transformada num poço recheado de “fait-divers” oscilando, consoante o sentido de humor e de responsabilidade, entre o anedótico a que alguém aludia no blogue de Krugman (“ler acerca da zona euro todas as manhãs ao pequeno almoço é como uma forma de momento cómico”) e o lamentável a que chegou o laxismo institucional e da inter-governamentalidade (um comissário a sugerir a colocação a meia haste das bandeiras dos países devedores e outro a dizer-se farto de usar a sua imaginação face às dificuldades de Portugal, uma chefe de governo a declarar que as pessoas não devem poder ir para a reforma mais cedo do que na Alemanha e outro a querer expulsar países incumpridores!).

Mas desgraça maior é que a Europa seja hoje no mundo um elo fraco da cadeia e um enorme factor de risco – quer devido ao facto de o centro de gravidade de uma economia mundial em acelerada mutação dela se ir afastando a ritmo significativo, quer devido ao facto de a evolução da crise financeira confluir para dimensões soberanas/nacionais muito provavelmente susceptíveis de impactar sobre a sobrevivência do euro e, por essa via, sobre a dinâmica de funcionamento de todo o sistema económico internacional. Resta a excepção de uma Alemanha que, após o interregno que a história lhe impôs, tende a interpretar a manutenção/recuperação do seu estatuto de potência (mesmo se intermédia) associado a um retorno ao seu tradicional papel político liderante e expansionista. Por um lado, domesticando a Europa e dela se aproveitando quanto possível e, por outro lado, focando-se preferencialmente em outras latitudes, mais promissoras do ponto de vista económico…


O dilema alemão

Vamos à Alemanha, um pouco mais a fundo. Por um lado, um povo ainda longe de estar refeito das culpas e traumas associados às vicissitudes do seu século XX. Por outro lado, um povo disciplinado e organizado que começou por conformadamente aceitar as responsabilidades integracionistas que o pós-guerra lhe impôs e, depois, por conscientemente assumir os custos do “contrato” de reunificação nacional que Kohl lhe propôs. Bastante para explicar as reacções furiosas de muita opinião pública face a histórias impensáveis, benesses incríveis e fraudes descobertas em outras paragens, julgo. Mas terá de haver necessariamente mais a relevar para se entender devidamente “why Germany fell out of love with Europe?”

Desde logo, a ambição de um papel significativo no contexto do futuro sistema monetário e financeiro internacional, coisa para a qual ser a vanguarda do Euro surge como um inequívoco factor de vantagem. Depois, a tradição industrial alemã, esforçadamente construída ao comando da 2ª Revolução Industrial (mecanização e “fordismo”) – um tal “price-maker” por fiabilidade e reputação, capacitado para conviver naturalmente com um marco forte, teria de enriquecer alegremente à conta de um euro mais barato.

Só que o enriquecimento gerou poupança, acabando esta numa pressão sobre o sector financeiro que o levou a uma corrida titânica pela oferta de remunerações competitivas, aliás crescentemente repartidas entre inovações de risco e exposições agressivas; e o sistema bancário, já ferido pelas anormais debilidades decorrentes da assimilação do Leste, abanou sem apelo. Eis, em todo o seu esplendor, o que parece ser o actual dilema germânico…



A Alemanha em acção

Não obstante, o bloco de “interesses dominantes” e o seu pessoal político no poder – Angela Merkel e o governo de coligação entre a CDU de Wolfgang Schauble (MF) e o FDP de Philipp Rosler (ME), assim como Jens Weidmann (ex-Assessor da Chanceler e actual Presidente do Bundesbank) e os “falcões” Axel Weber (ex-Presidente do Bundesbank que abandonou a corrida à sucessão de Trichet no BCE em Abril), e Jurgen Stark (que pediu a demissão da Comissão Executiva do BCE em Setembro) – já fizeram, há muito, as suas escolhas. Que ainda não conhecemos oficialmente, mas que vamos podendo ir lendo “nas folhas de chá”, i.e., nos sinais que, ao longo de meses, vão tornando reconhecível o “caderno de encargos” traçado.

Alguns toques recentes nesse sentido: em Fevereiro, falou-se de “germanização da gestão do Euro” aquando do lançamento pela Alemanha da ideia de um “pacto de competitividade” como contrapartida do reforço e flexibilização do FEEF; em Maio, Schauble propôs uma “reestruturação suave” da dívida grega, implicando a aceitação de um “haircut” parcial por parte dos credores privados e suscitando forte oposição do BCE; em Junho, Trichet avançou com um “plano B” (autoridades da Zona Euro a intervir directamente nas políticas orçamentais dos países) e referiu-se a um futuro Ministério das Finanças comum; em Agosto, vários Estados membros vieram declarar-se exigentes de mais garantias da Grécia e o chamado “directório franco-alemão” posicionou-se por um reforço do estatuto de Rompuy e por uma “governação económica” e um travão constitucional à divida; em Setembro, a imprensa germânica especulou sobre um cenário de “falência controlada” da Grécia e sobre a preparação pelo Governo de um plano de emergência visando ajudar o seu subcapitalizado sistema bancário e segurador (falou-se em 127 mil milhões) em caso de um possível “haircut” das suas obrigações gregas; ainda em Setembro, e subitamente, Barroso “ressuscitou”.


Só na aparência “adiar é o verbo que a UE conjuga mais” – entre “baratas tontas”, povos desesperados, “irmãos severos” e carreiristas de serviço, os responsáveis alemães sabem bem do que estão a tratar no seio da UE, mas são suficientemente realistas para assumir que a operacionalização (“consentimento” diferenciado a 27) carece de tempo. E do que estão a tratar é da defesa de uma estratégia nacional e da sua essência: lograr uma hegemonia continental incontestável ou, citando Habermas, “uma Alemanha europeia numa Europa alemã”...

1 comentário:

  1. Caros bloguistas
    Tendo em conta a esfera de reflexão do vosso espaço, gostava que se pronunciassem sobre a questão que esta notícia (http://www.publico.pt/Pol%C3%ADtica/governo-proibe-politicos-de-receberem-avencas-na-rtp-1516606#Comente)levanta.
    Por muito louvável que seja a intenção do governo, o título é, como normalmente na imprensa do sistema, enganador, e ilude um dos horrores do nosso "estado social-ista". O governo não proíbe os políticos de receber. O governo proíbe é a TV do Estado de lhes pagar. Por mim, continuo a recusar a ideia de que numa democracia o Estado seja dono de órgãos de comunicação social e que um governo qualquer se possa dar liberdade de proibir a esses órgãos o que quer que seja. Não é isso uma violação da esfera privada que devia ser vedada ao controlo público? Ou, no mínimo, a reflexão sobre o serviço público de radio-difusão não devia começar por aqui, e não pelo tipo de conteúdos/ programação que deve ter uma tv-rádio pública?

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