sábado, 29 de outubro de 2011

OS CAMINHOS DA DÚVIDA


Impossibilidades de vária ordem determinaram que não pudesse aqui comentar os resultados da cimeira da Zona Euro da madrugada de 27 do corrente mês. Esta simples distância de dois dias entre essa comunicação e o dia de hoje é estranhamente suficiente para avaliar com mais rigor e desencanto a comunicação então realizada.
Parece ser cada mais evidente que, entre os sorrisos mais ou menos circunspectos dos líderes na fotografia final, com os quais podemos encontrar alguma correspondência nas reacções imediatas dos meios de comunicação, e o desenvolvimento e comentários nos dias seguintes, o desvio começa a ser preocupantemente mais significativo.
Analisando os materiais conclusivos que saíram da cimeira e os comentários mais ponderados que se lhe seguiram, ressalta em primeiro lugar que a natureza da declaração final começa por ser insuficiente para pesar em bom rigor a efectividade dos resultados atingidos. O aspecto que melhor ilustra essa insuficiência é a decisão do “haircut” de 50% na dívida grega. Afinal, o que a declaração consagra é o acordo com o representante da banca internacional neste processo (o Institute of International Finance), desenvolvendo-se agora a complexa gestão das participações “voluntárias” nesse processo. Se estive atento e compreendi bem, ainda ontem havia instituições bancárias nacionais que não sabiam concretizar o impacto real dessa decisão nos seus balanços. De uma decisão voluntária a um corte efectivo e involuntário haverá procedimentos complexos a considerar e do ponto de vista do impacto real essa “nuance” é mais relevante do que pode parecer. Depois, a solidez do sistema de protecção que o Fundo de Estabilidade Financeira pretende representar continua a ser fortemente tributário da solidez dos países que nele participam. Não pode ainda considerar-se como uma nova ameaça de alarme, mas alguns espíritos ficaram abalados pelos resultados da ida ao mercado da Itália após a cimeira.
Mas a cimeira nada contribuiu para dissipar os “caminhos da dúvida” gerados por toda esta situação. Todos esses caminhos vão dar a duas matérias cruciais: a incapacidade de reconsideração do papel do Banco Central Europeu e a não produção de soluções para acomodar na Zona Euro as performances divergentes de crescimento e de défices (excedentes) externos. Quanto ao primeiro, a declaração continua inamovível :”We fully support the ECB in its action to maintain price stability in the euro area”. Quanto ao segundo, o vazio é total e nessa medida muitos observadores consideram que a previsão de uma meta de 120% para o rácio grego Dívida/PIB continua a subvalorizar o impacto da austeridade no crescimento económico. No fim de contas, tanto esforço para estruturalmente as ameaças permanecerem.

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