segunda-feira, 10 de outubro de 2011

MADEIRA: UM DEBATE ADIADO



O plano de ajustamento financeiro, cujos contornos são nesta data desconhecidos, que será aplicado à Região Autónoma da Madeira vai seguramente ser matéria de reflexão pertinente para o âmbito deste blogue. Os termos algo rocambolescos em que se processou a vinda a público dos níveis de endividamento da Região e a simultaneidade da sua comunicação com o acto eleitoral do passado domingo criaram um ambiente pouco propício para uma compreensão mais profunda das razões que subjazem à derrapagem orçamental e financeira observada.
Nesta derrapagem há certamente problemas de transparência, rigor e “accountability” da aplicação de recursos públicos que suscitaram reacções acaloradas da generalidade de observadores e comentadores. Não há grande espaço para novas análises nesse registo. Todavia, em minha opinião, o problema de endividamento da Região e das escolhas públicas que o determinaram têm razões que o debate público sobre esta matéria praticamente ignorou. As escolhas públicas que conduziram ao problema protelaram na prática uma situação de insustentabilidade do modelo de crescimento que assegurou o ressurgimento económico da Região.
Na verdade, a evolução a bom ritmo do rendimento per capita regional teve por base um modelo de crescimento suportado pela interacção entre o desenvolvimento turístico (que apontou sempre na direcção da excelência) e a promoção imobiliária, sempre apoiado pelo investimento público em infraestruturas também em ritmo acelerado. De acordo com o que sabemos destes modelos, sobretudo quando aplicados em ilhas, a sua sustentabilidade virtuosa tem um tempo limitado. É conhecida a sua incapacidade em gerar novas actividades transaccionáveis e nem sempre a criação de produções internas articuladas com a actividade turística é florescente. Para além de exigirem ritmos de procura turística compatíveis em massa e em faixa de preços com o esforço de investimento público e privado, estes modelos tendem a sobreviver apenas com níveis acrescidos de incorporação de conhecimento e de qualificação de recursos humanos.
Ora, já há algum tempo que o modelo dava sinais de esgotamento, pelo menos da sustentabilidade dos ritmos de crescimento. Ameaçado o efeito da zona franca em termos de geração de actividades produtivas capazes de substituir a prazo o núcleo central turismo-actividade imobiliária, o esgotamento de um modelo deste tipo traduz-se entre outros aspectos na tentativa de fuga para a frente, da qual o último ciclo de investimentos públicos constitui já um exemplo claro.
A difícil transição da economia da Madeira para um novo ciclo de crescimento está registada em alguns documentos de avaliação da utilização de fundos estruturais na Região. Parece que não tiveram eco na opinião pública. E o que me parece mais grave é que o plano de ajustamento financeiro arrancará sem ideias definidas sobre o modo como realizar essa transição. Não será seguramente esse plano de ajustamento que a vai potenciar.

1 comentário:

  1. Apetece citar Ernest Hemingway a citar John Donne: "No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main...". É que também nenhuma ilha é um homem. É preciso realmente olhar para o "problema da Madeira" sem ser pelo prisma do "criminoso Jardim, culpado de tudo". Mas pelo menos na Madeira parece haver um modelo, por esgotado que esteja. E no resto do país?
    Artur Costa

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