O plano de ajustamento
financeiro, cujos contornos são nesta data desconhecidos, que será aplicado à
Região Autónoma da Madeira vai seguramente ser matéria de reflexão pertinente
para o âmbito deste blogue. Os termos algo rocambolescos em que se processou a
vinda a público dos níveis de endividamento da Região e a simultaneidade da sua
comunicação com o acto eleitoral do passado domingo criaram um ambiente pouco
propício para uma compreensão mais profunda das razões que subjazem à derrapagem
orçamental e financeira observada.
Nesta derrapagem há certamente
problemas de transparência, rigor e “accountability” da aplicação de recursos
públicos que suscitaram reacções acaloradas da generalidade de observadores e
comentadores. Não há grande espaço para novas análises nesse registo. Todavia,
em minha opinião, o problema de endividamento da Região e das escolhas públicas
que o determinaram têm razões que o debate público sobre esta matéria
praticamente ignorou. As escolhas públicas que conduziram ao problema
protelaram na prática uma situação de insustentabilidade do modelo de
crescimento que assegurou o ressurgimento económico da Região.
Na verdade, a evolução a bom
ritmo do rendimento per capita regional teve por base um modelo de crescimento
suportado pela interacção entre o desenvolvimento turístico (que apontou sempre
na direcção da excelência) e a promoção imobiliária, sempre apoiado pelo
investimento público em infraestruturas também em ritmo acelerado. De acordo
com o que sabemos destes modelos, sobretudo quando aplicados em ilhas, a sua
sustentabilidade virtuosa tem um tempo limitado. É conhecida a sua incapacidade
em gerar novas actividades transaccionáveis e nem sempre a criação de produções
internas articuladas com a actividade turística é florescente. Para além de
exigirem ritmos de procura turística compatíveis em massa e em faixa de preços
com o esforço de investimento público e privado, estes modelos tendem a
sobreviver apenas com níveis acrescidos de incorporação de conhecimento e de
qualificação de recursos humanos.
Ora, já há algum tempo que o
modelo dava sinais de esgotamento, pelo menos da sustentabilidade dos ritmos de
crescimento. Ameaçado o efeito da zona franca em termos de geração de
actividades produtivas capazes de substituir a prazo o núcleo central
turismo-actividade imobiliária, o esgotamento de um modelo deste tipo traduz-se
entre outros aspectos na tentativa de fuga para a frente, da qual o último
ciclo de investimentos públicos constitui já um exemplo claro.
A difícil transição da
economia da Madeira para um novo ciclo de crescimento está registada em alguns
documentos de avaliação da utilização de fundos estruturais na Região. Parece
que não tiveram eco na opinião pública. E o que me parece mais grave é que o plano
de ajustamento financeiro arrancará sem ideias definidas sobre o modo como
realizar essa transição. Não será seguramente esse plano de ajustamento que a
vai potenciar.
Apetece citar Ernest Hemingway a citar John Donne: "No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main...". É que também nenhuma ilha é um homem. É preciso realmente olhar para o "problema da Madeira" sem ser pelo prisma do "criminoso Jardim, culpado de tudo". Mas pelo menos na Madeira parece haver um modelo, por esgotado que esteja. E no resto do país?
ResponderEliminarArtur Costa