quinta-feira, 20 de outubro de 2011

TENTAÇÕES SALARIAIS

A via punitiva da estratégia que inspira o pós-memorando da TROIKA teve, entre ontem e hoje, o seu processo de aceleração (um rolo compressor …) perturbado por algumas inesperadas contrariedades, leia-se críticos, opositores ou Pilatos de nova geração, para além claro está da esperada e compreensível indignação ou revolta. O tema da inequidade dos sacrifícios (ou mesmo de violação do princípio da equidade fiscal) ocupou o impacto mediático da proposta de orçamento. Numa vertigem crucificadora, muitos clamaram pela multiplicação dos cordeirinhos para o sacrifício, exigindo o que poderíamos designar de equidade na penosidade. Não é esta vertigem que me desperta o comentário de hoje.
Interessa-me, pelo contrário, concentrar-me naqueles que, numa onda determinada não por considerações de equidade, mas por considerações de cátedra sobre a competitividade da economia portuguesa, clamam pela redução salarial no sector privado, agora não por via fiscal mas por uma espécie de choque de oferta, visando a recuperação dos ambicionados níveis de competitividade. Curiosamente, não me apercebi que o sector empresarial (associativismo ou empresários prestigiados) propriamente dito estivesse muito representado nesta redução ao absurdo. Vi sim a expor-se gente que se tem mantido bastante afastado da esfera empresarial transaccionável, escondido numa perspectiva abstracta da empresa e incapaz de raciocinar nas condições concretas em que as empresas concretas exercem a sua actividade.
A tentação do choque salarial reflecte bem a resiliência em alguma classe pensante do universo dos baixos salários como condimento histórico de competitividade. Impor um choque salarial em condições de manifesta queda do rendimento disponível real não apenas do emprego público mas de toda a população empregada conduz-nos a paradigmas de competitividade que a economia portuguesa tem interesse crucial em erradicar. Sobretudo após uma década de forte ajustamento de uma parcela significativa do tecido empresarial português, este regresso à tentação transformar-se-ia no sinal mais errado que poderia ser dado às estratégias empresariais. O choque salarial em baixa constituiria o pior incentivo à inovação empresarial e, em contexto recessivo imposto pela terapia punitiva, tenderia a agravar a já explosiva destruição de emprego na produção de não transaccionáveis. Esta vertigem do sacrifício é doentia e neste caso nem as preocupações de equidade a podem minimizar.

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