quinta-feira, 20 de outubro de 2011

REGRESSO A ORIGENS POUCO REMOTAS

Sobre oportunidades

Aquando da concretização da nossa adesão comunitária (1986), a “oportunidade de mudança” parecia óbvia para um país tão longamente viciado em fechamento e protecção: uma dupla e virtuosa importação, quer de regras e padrões de funcionamento inéditos (“chicote”) quer de fundos avultados para favorecer/financiar a internalização modernizadora dos mesmos (“cenoura”).


Tempos mais tarde, Cavaco posicionou-se perante a moeda única como correspondendo à “nova oportunidade” de um factor externo catalisador de desenvolvimento para uma sociedade pretendida em concorrência aberta e sem muletas (desvalorização da moeda) no quadro europeu e global. Já com o “guterrismo” à porta, uma “oportunidade imperdível” – a possível participação de Portugal no primeiro pelotão da União Económica e Monetária (UEM) – viria a impor-se; e, depois, a concretizar-se.

Chegou então a chamada “década perdida” que – sem prejuízo de nela se singularizar o período socrático por alguns corajosos arremedos reformistas (nomeadamente em termos de dimensões específicas como comportamentos individuais, dignidade cidadã e condição social) – nos fez desfrutar de uma vida à sombra dos benefícios (ou, mais propriamente, dos mal-entendidos) de tantas oportunidades.

No presente (mau) momento da nossa vida colectiva, e de forma só paradoxal na aparência, Carlos Costa veio inteligentemente recuperar a hipótese de uma “grande oportunidade” que foi ficando para trás: a de “romper com o ‘ancien régime’, romper com a ideia que a sociedade civil captura o Estado e o Estado captura a sociedade civil”; incluindo, em coerência, uma das suas “damas” de sempre: a mudança de cultura empresarial. Sobra a dúvida pertinente de saber se o “austeritarismo”, que impiedosamente nos assaltou entretanto, não irá destruir as condições objectivas e subjectivas permissivas da exploração dessa potencial oportunidade…

Sobre inconsistências

Naqueles tempos, já Silva Lopes pregava no deserto quanto à desigual repartição dos ganhos da UEM entre países, regiões, sectores e empresas, sublinhando que “um país como Portugal estará numa posição ainda mais desfavorável relativamente a choques adversos do que as regiões mais deprimidas dos prósperos Estados-membros” e apontando riscos agravados “se o papel das forças do mercado não for complementado por políticas redistributivas” (designadamente, um maior peso do orçamento comunitário e uma facilitação dos movimentos laborais dentro da UE).

Mas, lá como cá, o peso da inércia levou a melhor. Como as convicções que Ernâni Lopes, embora sobrevalorizando a componente estratégica e subvalorizando os custos do ajustamento/financiamento, tão exuberantemente exprimiam:
(i) “Quanto à UEM, jamais os doze Estados membros acabarão de se preparar, seja qual for o calendário. As economias ajustar-se-ão ‘post facto’. [Pensar num esforço prévio] é um exercício puramente burocrático-cartesiano.(…) [Para efeitos burocráticos, os indicadores de convergência nominal] servem, mas ninguém lhes vai dar uma excessiva atenção”;
(ii) “Porque [‘se se fizer a mini-UEM’] Portugal ficaria fora do fluxo central dos acontecimentos [‘é um problema de estratégia global que está em jogo’] e não há nada que saia mais caro do que isso”.


Acrescem, em linha directa com o que foi dito, as luso-agravantes que toda esta história veio subsequentemente a observar. Com efeito, e fazendo uma comparação entre Portugal e Espanha, o relatório EMU@10 sugere que “ambos os países estavam expostos a muito diferentes choques cambiais de partida associados à entrada na zona euro”. Porque as taxas de conversão irrevogavelmente fixadas em 1998 – 166 pesetas por euro e 200 escudos por euro – corresponderam a desvalorizações próximas, respectivamente, de 30% (peseta) e 12% (escudo) face às cotações prevalecentes no início da década de 90 (128 pesetas e 179 escudos por euro); sendo ainda que as evoluções registadas desde os anos 90 se traduziram igualmente em desfavor da economia portuguesa – a taxa de câmbio real efectiva da Espanha estará ao nível dos inícios dos anos 90 e a de Portugal terá conhecido uma apreciação de 20%...

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