Este tema tem sido algo recorrente no modo como tenho alimentado este
blogue. Tenho a intuição que ele divide profundamente os economistas. Mas tenho
também a intuição que ele tem um grande alcance. Na verdade, uma coisa é
combinar política monetária e política fiscal para consolidar uma recuperação
estimulando a economia, outra coisa é fazê-lo tendo em conta que para além da dimensão
conjuntural, poderemos estar perante fenómenos latentes de estagnação, sendo
por isso necessário que esse “policy mix”
estimule simultaneamente a economia e combate os fenómenos estruturais que
puxam para a estagnação. Penso que já nem dá atenção ao “blá-blá” das reformas
estruturais tais como alguns papagaios institucionais o cantam. O exemplo mais
patético é o do Diretor Geral da OCDE, um homem simpático e até com alguma proximidade
a Portugal, mas que continua a cantar o tema das reformas estruturais com a
agulha do disco a comprometer a mensagem. No tempo presente, as reformas
estruturais devem ser apontadas aos fatores da estagnação secular potencial e
devem ser entendidos como as condições que é necessário impulsionar para que o policy mix de política monetária e de
política fiscal possa ir mais longe do simplesmente estimular a economia. Aliás,
com risco sério de ser desarmados precocemente, precisamente pelo motivo de não
compreenderem que um período de crescimento económico não faz esquecer necessariamente
fatores potenciais de estagnação secular. A dimensão do tempo em economia tem
que se lhe diga e não está ao alcance de qualquer um.
Até agora, este blogue tem contribuído para trazer ao pensamento económico em
Portugal vozes como as de Lawrence Summers e Bradford DeLong, pioneiros e consistentes
como têm separado corretamente as águas. Falar de fatores potenciais de estagnação
secular é perfeitamente compatível com o período de crescimento que, por
exemplo, a economia americana atravessa. Do mesmo modo, tenho trazido à colação
a investigação que recentemente mais se tem distinguido na identificação dos
fatores que explicam a persistência já estrutural dos baixos valores da taxa de
juro real de equilíbrio, a chamada R*. Trata-se de investigação relevante que
acrescenta densidade aos que perscrutam para além da recuperação em curso nas
economias avançadas.
Apraz-me registar a chegada ao grupo de um economista membro do Federal
Reserve Bank de S. Francisco e do próprio FED USA, que não pode ser considerado
um keynesiano convicto, mas que vem se juntando aos economistas que trabalham
em torno do rebaixamento estrutural da taxa de juro real de equilíbrio das economias
avançadas, John C. Williams.
O artigo que acaba de publicar na Economic
Letter do FRBSF de 3 de julho (bem fresca, por conseguinte) intitula-se provocatoriamente:
“The Global Growth Slump: Causes and
Consequences” (link aqui). Williams não se
inibe, apesar da conjuntura, de falar de recessão global do crescimento, o que
se ajusta que nem uma luva ao título da crónica de hoje. A posição de Williams
não é propriamente inovadora, outros o precederam nesse aspeto, mas é corajosa.
O declínio demográfico, os constrangimentos ao crescimento da força de trabalho
e a desaceleração do crescimento da produtividade do trabalho que o economista
invoca são conhecidos e partilham o universo de fatores para uma teoria global
da estagnação secular. A indeterminação do momento não está no desconhecimento
desses fatores. Podem ter sido ignorados durante algum tempo, mas agora isso já
seria incompetência aberta. Wiliiams sustenta que a indeterminação está no modo
como os políticos mundiais reagirão a estes fatores com políticas económicas apropriadas.
Citemos:
“A grande
dicotomia do nosso tempo é que, país a país, as notícias económicas são ao
mesmo tempo encorajadoras e desencorajadoras: encorajadoras na medida em que as
economias estão em expansão, desencorajadoras porque o crescimento é
desapontador, pelo menos quando confrontado com os padrões históricos. Nos EUA,
esta dicotomia é profunda. O crescimento do PIB americano teve pouco
significado enquanto os registos do crescimento do emprego foram
significativos. Nos 8 anos posteriores ao fim da recessão, o crescimento do
produto em termos reais foi em média apenas de 2%, bem abaixo dos trends
anteriores, ao passo que a economia americana criou 15 milhões de empregos. Como
é que estes dois dados são compatíveis?”
A oferta e procura de fundos para o investimento estão a rebaixar significativamente
o preço das poupanças. Por um lado, o significativo aumento da esperança de
vida tende a aumentar a poupança. Por outro lado, o rebaixamento do investimento
reduz a procura de poupança.
Argumentos simples que podem ser substancialmente reforçados pela convicção
mais keynesiana de que “demand matters”
(a procura é importante). E aí temos uma convergência com significado entre
economistas que pensam mais do lado da oferta e os que não abandonam a relevância
da procura.
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