O início do verão de 2017 colocou o governo de António Costa sob um manto
de fragilidade aparentemente inesperada face à trajetória de afirmação que
estava em marcha, na qual a originalidade da solução política, a recuperação de
rendimentos e os benefícios da conjuntura interagiam positivamente.
Inesperadamente, sem que essa interação positiva desaparecesse, dois
acontecimentos, os incêndios de Pedrogão e municípios contíguos e o roubo do
material de guerra de Tancos vieram pôr a nu que a ação governativa está afinal
suportada por estrutura e organização bem frágeis, pelo menos, bondosamente
direi eu, nos domínios da proteção civil, combate a incêndios e segurança
militar.
Quando invoco a fragilidade estrutural do Estado nestes domínios, não
estou, nem por sombras, a minimizar ou branquear a intervenção do governo atual.
No que respeita à proteção civil, o governo atual terá produzido alterações em
termos de organização, não podendo por isso ocultar responsabilidades. E a gestão
do SIRESP também deixa a desejar, embora as condições do parto desse sistema convidavam
a práticas abortivas. Em matéria militar, o governo PS nada fez de relevante
para se distanciar da desvalorização progressiva a que as Forças Armadas têm
sido sujeitas, pelo menos do ponto de vista dos recursos orçamentais que têm
sido alocados ao seu funcionamento e modernização necessária. O tema das Forças
Armadas tem sido sistematicamente arrastado para baixo do tapete, sem que a
questão seja colocada de forma clara e frontal ao eleitorado português. Afinal,
que Forças Armadas queremos que acompanhem a democracia na sua dupla dimensão
de defesa nacional e de expressão internacional?
Por outro lado, invocar a fragilidade estrutural do Estado não significa
também ignorar os erros claros de gestão política dos dois acontecimentos.
Considero admissível que se discuta a inevitabilidade da demissão dos dois
ministros envolvidos, agora já não ao estilo de Jorge Coelho na tensão do
momento, mas ao retardador ou em câmara lenta. No caso de Constança Urbano
Sousa é a perceção clara que a Ministra que devia tutelar não tutela nada, já
que os serviços principais que dela dependem parecem não reconhecer qualquer
autoridade à Ministra tamanha é a algazarra do foge culpas que transmitem. Já
quanto ao Ministro da Defesa a solução da suspensão temporária dos cinco
comandantes parece canhestra. Em algumas das intervenções de Azeredo Lopes
parece poder vislumbrar-se uma tentativa de contribuir para o esclarecimento do
que deve ser entendido por responsabilidade política do governo. O que poderia
ser um excelente contributo. Mas o confronto com os casos do Colégio Militar e
dos Comandos e o próprio ruído em que o Ministério e o Governo deixaram emergir
sobre o roubo do paiol relega para o esquecimento a tentativa do Ministro. De
facto, é lamentável o estado de desproteção dos depósitos de material de guerra
e já não estamos no tempo do “podió chamá-lo?” Por isso, mesmo em câmara lenta
ou sujeito ao tempo das férias do 1º Ministro, dificilmente os dois Ministros
escaparão à exoneração/substituição, com o agravamento de que a erosão do
Governo é incomparavelmente mais acentuada, dando de bandeja à oposição enredo
para uma peça que não sabiam como interpretar.
Mas a reflexão central a que quero chegar é esta. Em alguns domínios de
intervenção do Estado, a ação de um Ministro está dependente de forças que não
controla, mesmo que não durma ou não faça rigorosamente mais nada, o que não é
pressuposto, esclareça-se. Por isso, sem que os problemas estruturais que estão
na base da referida fragilidade sejam objeto de pega pelos cornos, a captação
de novos Ministros enfrenta um problema sério e com isso a degradação
inevitável da ação governativa futura. Os
exemplos sucedem-se e volto ao meu ponto fundamental. Continuamos a brincar às
escolhas públicas, a fazer de conta que temos o Estado que quisermos. A brincadeira
sai sempre cara quando os pressupostos falsos da velocidade de cruzeiro nos
atraiçoam.
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