(O Economist da
semana de 8 a 14 de julho resolveu e bem entrar na pressão sobre as autoridades
alemães, mostrando de que modo o excedente alemão é pernicioso para a economia
mundial, já depois do FMI
o confirmar na análise desenvolvida sobre a economia alemã…)
O tema dos excedentes alemães transformou-se num tópico de visita obrigatória
neste blogue, sobretudo do ponto de vista do que ele representa para a fragilidade
dos equilíbrios em que a economia mundial está hoje apoiada.
Quando se fala do excedente alemão estamos no fundo a referir dois
excedentes, o das contas públicas, com um orçamento que é agora superavitário e
o excedente da balança das transações correntes, ambos medidos em percentagem
do PIB. Este duplo excedente tem por contrapartida uma relação excedentária
entre poupança e investimento, com a poupança alemã a superar largamente o investimento
realizado em território alemão. Com o excedente externo das contas correntes,
os alemães poupam e preferem investir no exterior em ativos localizados noutros
países. Umas vezes esses investimentos têm repercussões positivas sobre as economias
de destino, outras vezes constituem aplicações imobiliárias ou em outros ativos
financeiros que não acrescentam nada de positivo a essas economias, muitas vezes
contribuindo para o peso desproporcionado dos não transacionáveis nesses países.
Relembre-se que o excedente externo alemão atinge hoje quase 9% e tem-se mantido
permanentemente positivo desde 2000. Conforme o Economist o documenta (link aqui) as
despesas de consumo dos alemães em percentagem do PIB têm vindo desde 2010
sistematicamente a descer, situando hoje abaixo dos 55%.
As autoridades alemães têm argumentado que o excedente externo é fruto da consistência
do seu modelo empresarial e produtivo e que os comportamentos de poupança
correspondem a hábitos profundamente enraizados nas famílias alemães. O
envelhecimento demográfico profundo que atravessa a sociedade alemã inspiraria
necessidades de poupança intertemporal para fazer face ao aumento da esperança
de vida e ao prolongamento desta para períodos em que é necessário recorrer a
poupanças acumuladas para fazer face às despesas, designadamente de saúde, que
o prolongamento da vida tende a determinar.
Ninguém discute a justeza desses argumentos, o que é crucial discutir é se
a resposta a essas necessidades exigiria excedentes de contas públicas e
externos tão elevados como os que os alemães teimam em manter, contrariando até
regras orçamentais comunitárias, que pelos vistos só se aplicam a alguns e não
aos seus patronos. O FMI na revisão periódica da economia alemã a que procedeu
afirma precisamente essa desconformidade. Seriam necessários excedentes bem menores
para responder a essas exigências com que os alemães procuram furtar-se às suas
responsabilidades para o equilíbrio da economia mundial.
Embora a página contundente do Economist tenha gerado alguma controvérsia,
a ponto de Martin Sandau no Financial Times ter vido à liça desculpando a posição
alemã, esta começa a ficar desconfortável nos equilíbrios necessários do G20 e
não estamos a falar necessariamente da posição ignorante de Trump sobre a matéria.
A explicação dos excedentes alemães, para além da ortodoxia orçamental de
Schäuble, está segundo alguns economistas, com Simon Wren-Lewis à cabeça (link aqui), no
facto da economia alemã ter desenvolvido uma política de moderação salarial
incompatível com a regra dos 2% de meta para a inflação que o BCE respeita
religiosamente. Não podemos esquecer que, num contexto de baixa inflação
europeia (abaixo da meta dos 2%) e com moderação salarial na Alemanha, é
praticamente impossível aos restantes países europeus prosseguir uma política
salarial que lhe permita ganhos de custo unitário de trabalho relativamente à
economia alemã. E parece não ser consistente a ideia de que a moderação salarial
alemã se deva a questões de produtividade. A questão central está, pelo contrário,
na desregulação parcial do mercado de trabalho alemão com a política dos “mini-jobs”
que, com um objetivo compreensível de absorver mão-de-obra jovem, acabaram por
desregular a normal evolução da taxa salarial na Alemanha em função do seu nível
de desenvolvimento. A zona euro precisaria, assim, urgentemente, de aumentos
salariais na Alemanha de maneira a conceber alguma margem de manobra à política
salarial nos países da periferia europeia. Como é óbvio, estas economias não têm
um potencial que chegue em termos de aumentos de produtividade para conseguir
por essa via a moderação desejada dos salários reais. Os alemães não estão a
assumir a responsabilidade que lhes compete no jogo dos equilíbrios da zona
euro. Por outro lado, o Estado está a poupar acima do que devia face ao
comportamento de poupança de famílias e empresas.
Se transportássemos para os tempos presentes a clarividência de Keynes na
sua perceção dos equilíbrios mundiais, certamente que a capa do Economist teria
no génio de Cambridge um declarado, aberto e frontal defensor.
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