quinta-feira, 20 de julho de 2017

AINDA A QUESTÃO DOS EXCEDENTES ALEMÃES




(O Economist da semana de 8 a 14 de julho resolveu e bem entrar na pressão sobre as autoridades alemães, mostrando de que modo o excedente alemão é pernicioso para a economia mundial, já depois do FMI o confirmar na análise desenvolvida sobre a economia alemã…)

O tema dos excedentes alemães transformou-se num tópico de visita obrigatória neste blogue, sobretudo do ponto de vista do que ele representa para a fragilidade dos equilíbrios em que a economia mundial está hoje apoiada.

Quando se fala do excedente alemão estamos no fundo a referir dois excedentes, o das contas públicas, com um orçamento que é agora superavitário e o excedente da balança das transações correntes, ambos medidos em percentagem do PIB. Este duplo excedente tem por contrapartida uma relação excedentária entre poupança e investimento, com a poupança alemã a superar largamente o investimento realizado em território alemão. Com o excedente externo das contas correntes, os alemães poupam e preferem investir no exterior em ativos localizados noutros países. Umas vezes esses investimentos têm repercussões positivas sobre as economias de destino, outras vezes constituem aplicações imobiliárias ou em outros ativos financeiros que não acrescentam nada de positivo a essas economias, muitas vezes contribuindo para o peso desproporcionado dos não transacionáveis nesses países. Relembre-se que o excedente externo alemão atinge hoje quase 9% e tem-se mantido permanentemente positivo desde 2000. Conforme o Economist o documenta (link aqui) as despesas de consumo dos alemães em percentagem do PIB têm vindo desde 2010 sistematicamente a descer, situando hoje abaixo dos 55%.

As autoridades alemães têm argumentado que o excedente externo é fruto da consistência do seu modelo empresarial e produtivo e que os comportamentos de poupança correspondem a hábitos profundamente enraizados nas famílias alemães. O envelhecimento demográfico profundo que atravessa a sociedade alemã inspiraria necessidades de poupança intertemporal para fazer face ao aumento da esperança de vida e ao prolongamento desta para períodos em que é necessário recorrer a poupanças acumuladas para fazer face às despesas, designadamente de saúde, que o prolongamento da vida tende a determinar.

Ninguém discute a justeza desses argumentos, o que é crucial discutir é se a resposta a essas necessidades exigiria excedentes de contas públicas e externos tão elevados como os que os alemães teimam em manter, contrariando até regras orçamentais comunitárias, que pelos vistos só se aplicam a alguns e não aos seus patronos. O FMI na revisão periódica da economia alemã a que procedeu afirma precisamente essa desconformidade. Seriam necessários excedentes bem menores para responder a essas exigências com que os alemães procuram furtar-se às suas responsabilidades para o equilíbrio da economia mundial.

Embora a página contundente do Economist tenha gerado alguma controvérsia, a ponto de Martin Sandau no Financial Times ter vido à liça desculpando a posição alemã, esta começa a ficar desconfortável nos equilíbrios necessários do G20 e não estamos a falar necessariamente da posição ignorante de Trump sobre a matéria.

A explicação dos excedentes alemães, para além da ortodoxia orçamental de Schäuble, está segundo alguns economistas, com Simon Wren-Lewis à cabeça (link aqui), no facto da economia alemã ter desenvolvido uma política de moderação salarial incompatível com a regra dos 2% de meta para a inflação que o BCE respeita religiosamente. Não podemos esquecer que, num contexto de baixa inflação europeia (abaixo da meta dos 2%) e com moderação salarial na Alemanha, é praticamente impossível aos restantes países europeus prosseguir uma política salarial que lhe permita ganhos de custo unitário de trabalho relativamente à economia alemã. E parece não ser consistente a ideia de que a moderação salarial alemã se deva a questões de produtividade. A questão central está, pelo contrário, na desregulação parcial do mercado de trabalho alemão com a política dos “mini-jobs” que, com um objetivo compreensível de absorver mão-de-obra jovem, acabaram por desregular a normal evolução da taxa salarial na Alemanha em função do seu nível de desenvolvimento. A zona euro precisaria, assim, urgentemente, de aumentos salariais na Alemanha de maneira a conceber alguma margem de manobra à política salarial nos países da periferia europeia. Como é óbvio, estas economias não têm um potencial que chegue em termos de aumentos de produtividade para conseguir por essa via a moderação desejada dos salários reais. Os alemães não estão a assumir a responsabilidade que lhes compete no jogo dos equilíbrios da zona euro. Por outro lado, o Estado está a poupar acima do que devia face ao comportamento de poupança de famílias e empresas.

Se transportássemos para os tempos presentes a clarividência de Keynes na sua perceção dos equilíbrios mundiais, certamente que a capa do Economist teria no génio de Cambridge um declarado, aberto e frontal defensor.

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