quarta-feira, 19 de julho de 2017

ESTOY COM ISABEL COIXET




(Mais um eco da séria e fraturante incomodidade que o precipitado e dicotómico referendo catalão está a colocar a uma larga fração da população, que rejeita que “ser catalão e espanhol sejam conceitos antagónicos e que não ser independentista signifique ser fascista ou apoiante do Ciudadanos ou do PP…)

Há quem pense oportunisticamente que uma Espanha desestruturada e vacilante na sua convivência interna possa ser favorável aos interesses de Portugal. Vistas curtas. A integração ibérica das duas economias é um facto irreversível, o que não significa restrição alguma às pretensões de internacionalização longínqua da economia e da sociedade portuguesas. O modelo que mais interessa a Portugal é o de uma Espanha de nações e de comunidades autónomas, com as suas dinâmicas de autonomia regional fervilhantes de atividade e não de uma Espanha atavicamente centralizada organizando a Ibéria a partir da centralidade de Madrid. Por isso, o problema de hoje da Catalunha, como no passado o foi a questão basca antes da trégua política, que se espera definitiva, e do desaparecimento do extremismo independentista da ETA constitui matéria de preocupação nestas reflexões.

Interessa-me sobretudo a tragédia de incomodidade que o referendo independentista e dicotómico coloca aos que, revendo-se na catalonismo e nas suas raízes culturais e históricas, rejeitam a voracidade independentista e o aviltamento das relações da Catalunha com Madrid e, o que é francamente pior e lamentável, com as restantes regiões espanholas. É profundamente tonto e irresponsável a ideia que os independentistas têm disseminado da pretensa superioridade catalã, moral, cultural e não só, face às restantes geografias de que a Espanha se constitui. Prezo por isso as vozes que não se acomodam ao dicotomismo independentista e que o afirmam clara e vigorosamente, pois imagino que se fosse catalão seria nessa posição que me encontraria.

A cineasta Isabel Coixet, premiada nos Goya de 2006 segundo os registos que consegui encontrar, é uma dessas vozes que denunciam a incomodidade fraturante a que uma larga franja da população catalã está hoje sujeita, interessada numa solução mais construtiva do que a miragem da independência.

Coixet é particularmente dura sobre a completa ausência de discussão política sobre o modelo de sociedade catalã que os independentistas propõem, tão asfixiados estão na ideia da desconexão.

Vejam a clareza deste pensamento:

O debate sobre as essências pátrias engoliu o debate sobre que tipo de sociedade queremos. Com a independência, isso vai ser uma mescla de Shangri.La, de Legolândia e de Ganímedes. Continuo à espera de que alguém me conte como vai ser a nova república independente catalã. Se alguém tiver pistas, por favor que as partilhe. Gosto muito da Legolândia mas não quero viver nela, deve ser muito incómodo.”


Num outro artigo de 2015, Coixet oferecia-nos um testemunho ainda mais emotivo:

Como nos sentimos em casa tanto em Olot como em Orense ou em Orán, chamam-nos por isso merecidamente, botiflers[1], españolazos[2], charnegos[3], desgraçados e até cosmopolitas. Para nossa desgraça, não fomos ungidos com a fé e com a confiança num país melhor que iluminam a vida quotidiana de muitos dos nossos compatriotas.  Acreditamos que a história não é um registo de queixas, mas antes um instrumento para aprender com os erros, Pensamos e sentimos de outra maneira: somos os ingénuos que em dado dia votámos em Maragall confiando (sim, um grave erro) que o diálogo nos conduziria por outros caminhos: igualdade, justiça, fraternidade, solidariedade, honestidade, harminia, ajudar os vizinhos, sentido comum … essas coisas que nos pareciam fundamentais para construir uma sociedade algo melhor e acabámos com a tripla taça de caldo de um debate que na nossa estúpida inocência julgávamos ser de outra época".


El País, https://politica.elpais.com/politica/2015/09/10/actualidad/1441901591_222794.html


[1] Termo catalão que designa os apoiantes dos Felipistas ou Bourbons na Guerra de Secessão, profundamente vincado no imaginário catalão independentista
[2] Termo que identifica cidadãos seduzidos pela imagem política do Ciudadanos, embora intrinsecamente apoiantes do PP e segundo os independentistas sem qualquer sensibilidade para compreender a Espanha das Nações
[3] Termo que na ditadura franquista, entre 1950 e 1960, designava residentes na Catalunha provenientes de outras regiões espanholas usando outra língua que não o catalão e que começou a ser depreciativamente utilizado para marcar a diferença em relação a outras regiões

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