(Mais um eco da
séria e fraturante incomodidade que o precipitado e dicotómico referendo
catalão está a colocar a uma larga fração da população, que rejeita que “ser catalão e espanhol sejam conceitos
antagónicos e que não ser independentista signifique ser fascista ou apoiante
do Ciudadanos ou do PP…)
Há quem pense oportunisticamente que uma Espanha desestruturada e vacilante
na sua convivência interna possa ser favorável aos interesses de Portugal.
Vistas curtas. A integração ibérica das duas economias é um facto irreversível,
o que não significa restrição alguma às pretensões de internacionalização
longínqua da economia e da sociedade portuguesas. O modelo que mais interessa a
Portugal é o de uma Espanha de nações e de comunidades autónomas, com as suas
dinâmicas de autonomia regional fervilhantes de atividade e não de uma Espanha
atavicamente centralizada organizando a Ibéria a partir da centralidade de
Madrid. Por isso, o problema de hoje da Catalunha, como no passado o foi a
questão basca antes da trégua política, que se espera definitiva, e do
desaparecimento do extremismo independentista da ETA constitui matéria de
preocupação nestas reflexões.
Interessa-me sobretudo a tragédia de incomodidade que o referendo
independentista e dicotómico coloca aos que, revendo-se na catalonismo e nas
suas raízes culturais e históricas, rejeitam a voracidade independentista e o
aviltamento das relações da Catalunha com Madrid e, o que é francamente pior e
lamentável, com as restantes regiões espanholas. É profundamente tonto e
irresponsável a ideia que os independentistas têm disseminado da pretensa
superioridade catalã, moral, cultural e não só, face às restantes geografias de
que a Espanha se constitui. Prezo por isso as vozes que não se acomodam ao
dicotomismo independentista e que o afirmam clara e vigorosamente, pois imagino
que se fosse catalão seria nessa posição que me encontraria.
A cineasta Isabel Coixet, premiada nos Goya de 2006 segundo os registos que
consegui encontrar, é uma dessas vozes que denunciam a incomodidade fraturante
a que uma larga franja da população catalã está hoje sujeita, interessada numa
solução mais construtiva do que a miragem da independência.
Coixet é particularmente dura sobre a completa ausência de discussão
política sobre o modelo de sociedade catalã que os independentistas propõem,
tão asfixiados estão na ideia da desconexão.
Vejam a clareza deste pensamento:
“O
debate sobre as essências pátrias engoliu o debate sobre que tipo de sociedade
queremos. Com a independência, isso vai ser uma mescla de Shangri.La, de
Legolândia e de Ganímedes. Continuo à espera de que alguém me conte como vai
ser a nova república independente catalã. Se alguém tiver
pistas, por favor que as partilhe. Gosto muito da Legolândia mas não quero
viver nela, deve ser muito incómodo.”
Num outro artigo de 2015, Coixet oferecia-nos um testemunho ainda mais
emotivo:
El País, https://politica.elpais.com/politica/2015/09/10/actualidad/1441901591_222794.html
[1] Termo catalão que designa os
apoiantes dos Felipistas ou Bourbons na Guerra de Secessão, profundamente
vincado no imaginário catalão independentista
[2] Termo que identifica cidadãos seduzidos pela imagem
política do Ciudadanos, embora intrinsecamente apoiantes do PP e segundo os
independentistas sem qualquer sensibilidade para compreender a Espanha das Nações
[3] Termo que na ditadura franquista,
entre 1950 e 1960, designava residentes na Catalunha provenientes de outras
regiões espanholas usando outra língua que não o catalão e que começou a ser
depreciativamente utilizado para marcar a diferença em relação a outras regiões
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