(by Nicolas Ortega)
Numa leitura mais superficial, do périplo europeu de Donald Trump talvez resulte
o foco de notícias acerca do seu esperado embate com a orientação dominante do
G20, seja do ponto de vista da gestão da economia mundial, seja na perspetiva
do rompimento que os EUA assumiram face aos acordos de Paris em torno do
aquecimento global e mudanças climáticas. Ou então, o seu encontro com Putin
tenderá a dominar as atenções, pelas razões já conhecidas que precederam este
encontro.
Mas uma leitura mais aprofundada deste périplo conduz-nos à conclusão que o
discurso em Varsóvia, na sua visita à Polónia, será provavelmente a matéria em
que devemos concentrar a nossa atenção, embora a sua recusa em visitar o
memorial ao Holocausto daquela cidade possa ter ensombrado a sua visita.
Mas o discurso de Varsóvia é em si uma peça de análise obrigatória. Até porque
se trata finalmente de um texto, não interessa agora a opinião sobre os seus
fundamentos, que tem qualidade e corresponde a uma preparação objetiva. E
porque se trata de um texto com conteúdo mais relevante é a interpretação do
mesmo, já que ele veicula perspetivas novas, não menos ameaçadoras do que os
fundamentos do seu nacionalismo económico.
O discurso de Varsóvia começa por ser objetivamente uma carta de
reconhecimento emitida em favor do conservadorismo polaco que caracteriza a Presidência
polaca e o seu governo atual. E, pior do que isso, esse reconhecimento é
assumido por via de dois valores, Deus e Família, que Trump, questionavelmente,
identifica como sendo os baluartes da civilização ocidental e que estão em
linha com a matriz de poder que governa hoje a Polónia.
Combinando no seu discurso o reconhecimento do valor da resistência polaca aos
sucessivos ataques que a Polónia tem sofrido ao longo da sua atribulada história
(simbolicamente o discurso é proferido junto do monumento que celebra a trágica
morte de 200.000 polacos quase no fim da segunda guerra mundial em revolta contra
a opressão Nazi) com a defesa dos valores da civilização ocidental, o discurso
de Trump ajuda a clarificar a ofensiva ideológica conservadora da Presidência
americana: “So together let us all fight
like the Poles, for family, for freedom, for country and for God (Lutemos,
pois, todos juntos como os Polacos pela família, pela liberdade, pelo País e
por Deus).
No discurso de Trump, existe segundo a minha leitura uma única referência
aos valores da democracia como vetor estruturante da civilização ocidental, o que
contrasta com as repetidas referências a Deus e à Família. Isto num registo
ardiloso que aparentemente alarga o número dos que poderão identificar-se com a
mensagem. Vejamos:
“The fundamental question of our time is whether the West has the will
to survive. Do we have the confidence in our values to defend them at any cost?
Do we have enough respect for our citizens to protect our borders? Do we have
the desire and the courage to preserve our civilization in the face of those
who would subvert and destroy it? We can have the largest economies and the
most lethal weapons anywhere on Earth, but if we do not have strong families
and strong values, then we will be weak and we will not survive.
(A questão fundamental do nosso tempo consiste em saber se o Ocidente quer
sobreviver. Temos confiança nos nossos valores para os defender a qualquer
custo? Temos respeito suficiente pelos nossos cidadãos para proteger as nossas
fronteiras? Temos o desejo e a coragem para preservar a nossa civilização face
aos que querem subvertê-la e destrui-la? Podemos ter as economias de maior
dimensão e as armas mais letais de todo o mundo, mas se não tivermos famílias
fortes e valores fortes seremos fracos e não sobreviveremos)”.
Os valores democráticos e consequentemente os valores da diversidade e da
convivência, como defesa última da liberdade, são habilmente omitidos e assim
se faz um discurso passando a mão pelo ego do conservador Governo polaco. O
puzzle trumpiano começa a compor-se e a clarificar-se.
Não sabemos entretanto que significado terá tido para os Polacos este
discurso quando uns dias depois existe o encontro com Putin.
Uma nota final: o por muitas vezes criticado neste espaço José Manuel
Fernandes tem no Observador uma boa súmula das reações registadas ao discurso
de Trump, que merece ser aqui destacada.
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