domingo, 9 de julho de 2017

TRUMP ON FIRE

(by Nicolas Ortega)



Numa leitura mais superficial, do périplo europeu de Donald Trump talvez resulte o foco de notícias acerca do seu esperado embate com a orientação dominante do G20, seja do ponto de vista da gestão da economia mundial, seja na perspetiva do rompimento que os EUA assumiram face aos acordos de Paris em torno do aquecimento global e mudanças climáticas. Ou então, o seu encontro com Putin tenderá a dominar as atenções, pelas razões já conhecidas que precederam este encontro.

Mas uma leitura mais aprofundada deste périplo conduz-nos à conclusão que o discurso em Varsóvia, na sua visita à Polónia, será provavelmente a matéria em que devemos concentrar a nossa atenção, embora a sua recusa em visitar o memorial ao Holocausto daquela cidade possa ter ensombrado a sua visita.

Mas o discurso de Varsóvia é em si uma peça de análise obrigatória. Até porque se trata finalmente de um texto, não interessa agora a opinião sobre os seus fundamentos, que tem qualidade e corresponde a uma preparação objetiva. E porque se trata de um texto com conteúdo mais relevante é a interpretação do mesmo, já que ele veicula perspetivas novas, não menos ameaçadoras do que os fundamentos do seu nacionalismo económico.

O discurso de Varsóvia começa por ser objetivamente uma carta de reconhecimento emitida em favor do conservadorismo polaco que caracteriza a Presidência polaca e o seu governo atual. E, pior do que isso, esse reconhecimento é assumido por via de dois valores, Deus e Família, que Trump, questionavelmente, identifica como sendo os baluartes da civilização ocidental e que estão em linha com a matriz de poder que governa hoje a Polónia.

Combinando no seu discurso o reconhecimento do valor da resistência polaca aos sucessivos ataques que a Polónia tem sofrido ao longo da sua atribulada história (simbolicamente o discurso é proferido junto do monumento que celebra a trágica morte de 200.000 polacos quase no fim da segunda guerra mundial em revolta contra a opressão Nazi) com a defesa dos valores da civilização ocidental, o discurso de Trump ajuda a clarificar a ofensiva ideológica conservadora da Presidência americana: “So together let us all fight like the Poles, for family, for freedom, for country and for God (Lutemos, pois, todos juntos como os Polacos pela família, pela liberdade, pelo País e por Deus).

No discurso de Trump, existe segundo a minha leitura uma única referência aos valores da democracia como vetor estruturante da civilização ocidental, o que contrasta com as repetidas referências a Deus e à Família. Isto num registo ardiloso que aparentemente alarga o número dos que poderão identificar-se com a mensagem. Vejamos:

“The fundamental question of our time is whether the West has the will to survive. Do we have the confidence in our values to defend them at any cost? Do we have enough respect for our citizens to protect our borders? Do we have the desire and the courage to preserve our civilization in the face of those who would subvert and destroy it? We can have the largest economies and the most lethal weapons anywhere on Earth, but if we do not have strong families and strong values, then we will be weak and we will not survive.

(A questão fundamental do nosso tempo consiste em saber se o Ocidente quer sobreviver. Temos confiança nos nossos valores para os defender a qualquer custo? Temos respeito suficiente pelos nossos cidadãos para proteger as nossas fronteiras? Temos o desejo e a coragem para preservar a nossa civilização face aos que querem subvertê-la e destrui-la? Podemos ter as economias de maior dimensão e as armas mais letais de todo o mundo, mas se não tivermos famílias fortes e valores fortes seremos fracos e não sobreviveremos)”.

Os valores democráticos e consequentemente os valores da diversidade e da convivência, como defesa última da liberdade, são habilmente omitidos e assim se faz um discurso passando a mão pelo ego do conservador Governo polaco. O puzzle trumpiano começa a compor-se e a clarificar-se.

Não sabemos entretanto que significado terá tido para os Polacos este discurso quando uns dias depois existe o encontro com Putin.

Uma nota final: o por muitas vezes criticado neste espaço José Manuel Fernandes tem no Observador uma boa súmula das reações registadas ao discurso de Trump, que merece ser aqui destacada.

Sem comentários:

Enviar um comentário