(Distraídos e
confundidos com tanta presença chinesa em Portugal, não demos a devida atenção
ao espantoso exemplo de dignidade e coerência do dissidente chinês LIU XIAOBO que, com a sua morte sob a implacável vigilância
das autoridades chinesas, vem-nos recordar quão feroz pode ser o regime chinês em
impedir a transição para uma eventual democracia…)
O Economist dedicou-lhe a primeira página e um título exemplar, a Consciência
da China. A notícia passou obviamente em Portugal, mas pouca agitação de ideias
provocou. É verdade que houve um voto de pesar na Assembleia da República. Os
jornais referenciaram o evento. Mas, por anestesia da menoridade do nosso
debate político ou pela perigosa convivência do nosso sistema produtivo com o
capital chinês, fruto de privatizações concretizadas sem estratégia e em busca
desesperada de recursos, um exemplo notável de resistência e de fidelidade ao
espírito democrático quase que nos passou despercebido em termos de debate que as
condições da sua morte deveria ter provocado.
Não se ignora que, nos meandros da economia global, a diplomacia económica
exige ponderação, não podendo estar subordinada a impulsos do esquerdismo mais
infantil ou à inércia tipo Partido Comunista Português em relação a casos como
a Coreia do Norte. Mas a diplomacia se existe é para isso. É para manter a intransigente
defesa dos direitos humanos e da democracia e não ferir as suscetibilidades da
diplomacia económica. Por mais relevante que seja o acautelamento dos
interesses da população portuguesa presente na Venezuela, a estupidez cega do
regime de Maduro não nos pode ser indiferente. É mais um exemplo em que cabe à
diplomacia desenvolver a agilidade que não nos faça vergar à desfaçatez do
autoritarismo mais atroz.
O Economist considera e com razão que a corajosa resistência ao sofrimento
de LIO XIAOBO está ao nível dos símbolos de um Sakharov e de um Mandela. A
implacável intolerância do regime chinês para com um resistente e defensor da
democracia que deveria ter morrido em paz e sem vigilância repressiva está ao nível
dos contextos que Sakharov e Mandela combateram.
O desequilíbrio que hoje se verifica na economia mundial entre recursos de
poupança e capacidade empresarial de investimento transformou as economias asiáticas
como a China em parceiros apetecíveis de muita gente. Os chineses têm utilizado
descaradamente esse desequilíbrio para retaliar ao mais leve indício de crítica
relativa ao seu estranho modelo de repressão democrática e piscar de olho aos
incentivos de mercado (que mais não fizeram do que concentrar riqueza, embora
reduzindo consideravelmente a pobreza global na sociedade chinesa). Assim o
fizeram com a Noruega quando o representante de LIU XIABO foi recebido em 2010
em Oslo para a atribuição do Nobel da Paz.
Não sabemos quanto tempo vai a China poder fazer conviver o autoritarismo
político com a liberdade económica (relativa). A esperança da abertura económica
era a formação de uma classe média emergente que transportasse consigo o
impulso da democracia. Estamos longe dessa vaga. A concentração da riqueza está
a dificultar essa transição. Para além disso, só a proliferação dos mecanismos de
corrupção poderá determinar alguma correção de trajetória por parte das
autoridades chinesas.
Até lá, a diplomacia ocidental, incluindo a portuguesa por via da sua voz
entre as instituições comunitárias, terá de se inventar para garantir que a
democracia não se vende por umas doses da poupança asiática. Mas para isso o
nosso sistema de valores tem de estar mais sólido. Mas isso é uma outra questão.
Sem comentários:
Enviar um comentário