(Enrique Flores , para o El País)
Os jornais espanhóis, particularmente o El País, fazem parte da minha vida
de esplanada de férias, sendo curioso que em Seixas Caminha o El País do dia
está connosco manhã bem cedo e na Comporta tinha de contentar-me com o atraso
de um dia. Mistérios da distribuição.
Tenho seguido com atenção o entorno do enorme lio em que a Catalunha está
mergulhada, fruto da gestão política algo errática e irresponsável de Puigdemont,
longe vão os tempos em que a liderança catalã tinha alguma consistência, coisa
que se evaporou num ápice.
Ontem, Victor Lapuente Giné, professor de ciência pública em Gotemburgo, Suécia,
publicou um estimulante artigo sobre os chamados referendos duais, invocando
para isso os casos de duas nações, a Suiça e o Uruguai, conhecidos por apresentarem
uma elevada intensidade referendária e, apesar disso, não poderem ser
considerados países em conflitos ou polarizados.
Giné é particularmente crítico dos referendos dicotómicos, sim ou não, que padecem
de uma perversidade que podemos facilmente intuir, porque em muitos casos
conhecidos a opção pelo sim ou pelo não depende de um conjunto tão grande de
pressupostos que tornam a escolha algo
de penoso e na qual muitos de nós não conseguem rever-se. Aliás, mesmo sem se
saber se o referendo catalão irá ou não ser realizado, a Catalunha está já
fraturada de alto a baixo, tornando praticamente inviável a proposição de alternativas
intermédias mais reformistas e menos radicais.
O referendo dual consiste segundo Giné no seguinte: “Primeiro decide-se
sobre se o statu quo deve ou não mudar (uma disjuntiva que favorece os impulsionadores
da proposta popular). Depois, confronta-se a iniciativa popular concreta com a
contraproposta do legislador (um dilema que favorece este último).”
O referendo dual, regra geral, determina que os autores das duas perguntas
tenham em conta a outra questão, adaptando posições, e com isso transforma o
referendo de centrífugo em centrípeto.
A proposta deste modelo para a Catalunha implicaria uma primeira fase em
que seria realizado um referendo não vinculativo na Catalunha sobre a alteração
ou não do modelo territorial para a Região. A segunda fase consistiria na
discussão a nível político das Cortes de uma proposta de uma nova relação
territorial com a Catalunha, envolvendo pacto fiscal, definição de novas competências
e outras transferências e obrigações.
Nessas condições, estariam criadas as condições para um referendo dual a
realizar a nível nacional, com duas questões: a primeira com a questão da
independência e a segunda com a proposta das Cortes de uma nova relação
territorial com a Catalunha. Giné discute mesmo os termos concretos em que o
referendo dual seria realizado.
O problema é que nem a inconsistência da liderança catalã nem a perspetiva
de Estado do PP tornarão provavelmente possível esta modalidade, bem mais
construtiva que o abismo referendário dicotómico tal como tem vindo a
desenhar-se.
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