O comércio mundial e a sua leitura interpretativa nunca mais foram os
mesmos depois de se ter compreendido o seu mecanismo de funcionamento com base
em Cadeias de Valor Globais (CVG). A partir do momento em que o volume e valor
do comércio mundial começaram a ser realizados essencialmente com base no comércio
de produtos intermédios, as leituras e interpretações dos fluxos de comércio elaboradas
com base nas trocas de produtos acabados perderam sentido. As necessidades de
correção das leituras mais tradicionais são óbvias. Mas por mais desenvolvida
que se mostrasse a compreensão teórica do fenómeno, algum tempo passou até que a
medida da intensidade e configuração das CVG pudesse ser feita com rigor. A economia
não pode confundir-se com evidências, mas o seu tratamento é fundamental para
se compreender do que é que se fala.
Não por acaso, a evidência até agora mais considerada do recuo da globalização
que presumivelmente estaremos a atravessar esteve relacionada com o pretenso
encurtamento das CVG que alguns economistas referiram no rescaldo do pós 2008.
Se tal evidência for confirmada, isso significaria que a globalização teria
sido atingida no mecanismo responsável pela sua mais intensa dinâmica dos últimos
tempos, os produtos intermédios e a repartição pelo mundo das fases de produção
de um dado produto.
Ora, em tempo de regresso ao trabalho, saúda-se a publicação sob os auspícios
da Organização Mundial do Comércio do primeiro relatório (link aqui) sobre o desenvolvimento
das CVG. O documento que se presume continuar no futuro a ser publicado qualquer
que seja o rumo futuro da globalização constituirá a partir deste momento um
referencial de informação crucial para os economistas do comércio mundial. A
valia desse referencial justifica plenamente o destaque que David Dollar (um
economista ligado aos quadros do Banco Mundial) lhe dedica no blogue do Brookings Institution (link aqui)uma prestigiada
instituição americana.
A referência de Dollar ao relatório é pedagógica e utiliza para isso um
produto que faz hoje parte dos nossos quotidianos e aparatos de consumo, as
exportações chinesas de equipamento eletrónico e ótico. A colocação que os chineses
fazem desses produtos no consumidor final é claramente precedida de fases de produção
concretizadas noutros países. A chamada Smile curve situa essas fases de produção
mediante a utilização de dois critérios: a sua proximidade ou distância face ao
consumidor final registada no eixo horizontal e os salários hora em questão em
cada um dessas fases de produção. A Smile Curve daqueles produtos chineses é bem
explícita da natureza de montagem final que é reservada à produção chinesa,
registando-se a montante operações com salário hora mais alto e correspondente
a maior incorporação de conhecimento. Países como os EUA, a Alemanha, a Coreia
do Sul, Taiwan e o Japão aparecem representados na preparação a montante dessas
exportações chinesas.
Escusado será mencionar a enorme relevância que o conhecimento da matéria
das CVG traz para o impacto do progresso tecnológico e da globalização sobre as
desigualdades.
O que será matéria de outros posts.
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