domingo, 30 de julho de 2017

BOAVENTURA SOUSA SANTOS E A DEFESA DE UMA CAUSA PERDIDA




(Não sei com que evidência trabalha o sociólogo Boaventura, mas a leitura da sua crónica no Público cheira a negação de algo que lhe pode custar admitir, como sociólogo interveniente, a evidência de que as revoluções podem adulterar-se e caminhar para o seu oposto…)

Sabemos que Boaventura Sousa Santos é um sociólogo empenhado e tem feito dos movimentos revolucionários e alternativos de procura de soluções ao capitalismo a sua fonte de inspiração e trabalho. Está no seu direito, nunca ocultou as suas opções metodológicas e não é por isso que os financiadores públicos nacionais e internacionais, designadamente europeus, lhe têm negado apoio ao desenvolvimento da sua investigação.

Mas trabalhar com tanta proximidade aos movimentos políticos de terreno e ser deles, por vezes, porta-voz ou elemento de amplificação de mensagens, tem os seus riscos. Esses movimentos podem degradar-se do ponto de vista da pureza dos seus objetivos e fins últimos. A necessidade de jogar os mecanismos da democracia e ganhar por essa via uma nova força de sustentação e reconhecimento choca, frequentemente, com os malefícios do poder, a tentação para a eternização, a corrupção e a invocação em causa própria dos interesses de um povo que, a partir de uma certa escalada, deixa de corresponder a uma realidade sociológica bem determinada.

Depois do apoio a uma declaração de intelectuais e outras personalidades políticas venezuelanas com votos pios para que os venezuelanos consigam resolver internamente os seus problemas, BSS insurge-se agora contra o que designa de cobertura e interpretação parciais do que se passa efetivamente na Venezuela (link aqui).

No desenvolvimento da sua argumentação, BSS oferece-nos esta pérola:

Os desacertos de um governo democrático resolvem-se por via democrática, e ela será tanto mais consistente quanto menos interferência externa sofrer. O governo da revolução bolivariana é democraticamente legítimo e ao longo de muitas eleições nos últimos 20 anos nunca deu sinais de não respeitar os resultados destas.”

A falácia do argumento é gritante. O governo de Maduro não é hoje um governo democrático e, por isso, toda a argumentação de BSS cai por terra. A sua posição é claramente de negação da evidência. Interrogo-me sobre que evidências o seu negacionismo está a ser construído.

Os que conhecem minimamente a história da revolução chavista sabem que a sua aceitação popular resultou da abordagem frontal das condições de pobreza extrema e de exploração a que a economia da Venezuela foi historicamente submetida. Sabemos também que por detrás da justeza das reivindicações democráticas que colocam o governo de Maduro em deriva de fuga para a frente se ocultam forças que voluntariamente se entregariam a um regresso às referidas condições de marginalização de uma larga franja da população venezuelana. Mas essa perceção não pode ocultar a deriva prepotente, autoritária e de defesa da permanência no poder de um Maduro que herdou um legado para o qual manifestamente não tinha capacidade de liderança nem carisma e respeito popular para o levar a bom porto. O governo de Maduro não é hoje um governo democrático, mas a sua antítese e as suas derivas económicas mais não fazem do que exacerbar as condições de pobreza. O que é mais grave é que as alarga a uma classe média muito débil, em pauperização acelerada.

Que BSS negue esta evidência é a melhor prova e que a sociologia empenhada e interventiva tem também os seus caminhos de deriva. Podemos bem com a heterodoxia de Boaventura. Mas negação e ocultação de evidência transforma essa sociologia em atividade meramente panfletária e gostaria bem de saber se as condições de trabalho nas equipas científicas que dirige permitem a livre reflexão.

E não deixa de ser cínico que BSS elogie a sabedoria de Augusto Santos Silva que segundo ele tem uma interpretação menos enviesada da situação venezuelana. Será que BSS não entende os cuidados inerentes à defesa dos interesses de uma vastíssima comunidade portuguesa, também ela em via acelerada para a pauperização e destruição de poupança acumulada ao longo de anos, que pode ser inferida a partir dos regressados à Madeira?

Depois de uma longa vida cientifica, com altos e baixos é certo, permanentemente controverso, podemos bem com isso, não havia necessidade!

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