(Jornal Público on line)
(Receio bem que o
período em que já entrámos dificilmente seja coberto pela muito usada expressão da
silly season, sucedem-se fragilidades
e descoordenações na máquina do Estado que não podem deixar de sobrar para a
valoração da ação governativa, nelas incluindo o destemperado e desesperado
comportamento da oposição…)
Se o diagnóstico das causas profundas dos fogos florestais é de facto aquele
que os principais especialistas do tema têm vindo a avançar teremos seguramente
um verão quente de incidentes. Nas causas profundas mais conhecidas incluo o desordenamento
florestal e a não limpeza dos materiais transformados em fator de combustagem, o
agravamento do problema das mudanças climáticas, a desconsideração que tem sido
atribuída à estrutura da propriedade, eminentemente privada e a descoordenação
dos serviços com intervenção na prevenção e no combate aos fogos. Como resposta
de curto prazo a mais um verão com temperaturas elevadas nenhuma daquelas
causas tem abordagem eficaz assegurada. É por isso legítimo esperar que, sem a
trágica dimensão de Pedrogão, tenhamos mais Alijós, Mações, Sertãs ou Proenças.
Creio que era o Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mação que dizia que
contava anos a fio a denunciar o problema que calhou hoje na sorte ao seu
concelho. Tenho dificuldade em compreender a inação de muitas Câmaras
Municipais nesta matéria, atendendo a que muitas vezes os municípios em geral
protagonizam escolhas públicas discutíveis face pelo menos a este tipo de
necessidades.
Por outro lado, PSD e CDS descobriram uma caixa de Pandora em termos de
ataque à governação a partir de tudo que diga respeito a incêndios florestais,
pois arrasado o filão da situação económica, que traiu as suas expectativas,
haverá durante o verão matéria combustível que baste. A sua posição em relação à
lista de vítimas de Pedrogão é, no mínimo, macabra. Pelo que consegui perceber do
alarido criado, é o Ministério Público que tem a responsabilidade de divulgar a
lista de vítimas depois de criadas as condições para o poder fazer em termos
das investigações que considere necessárias. Compreendi também que há
penalistas que defendem que o Governo pode pedir ao Ministério Público a quebra
do segredo de justiça, invocando interesses superiores de clarificação e
confiança dos cidadãos. Se meios e competência para discutir a questão no plano
jurídico, parece-me que o Governo se deixou encurralar não apresentando desde
logo as razões para a sua não publicação no curto prazo, sendo obrigado já em
desvantagem a uma justificação. A publicação hoje da lista de vítimas e o comunicado da Procuradoria Geral da República tem pelo menos a virtude de um corte de fogo. O Governo parece ignorar que, nos termos em que
está hoje organizada e face à debilidade da sua agenda política, a oposição é
sempre capaz de pior, não enjeitando entrar em domínios sobre os quais havia
aparentemente um sentido de Estado partilhado entre as diferentes forças políticas.
A experiência de António Costa nestas matérias da governação far-me-ia esperar
uma atuação mais liderante do tempo político das decisões e não a cedência pelo
menos neste tipo de situações a uma via reativa e dependente da agenda de
guerrilha da oposição.
A fragilidade das instituições do Estado e a progressiva depauperação da
administração pública em termos de elite de dirigentes podem ser fatais para a
proliferação de situações que os analistas da direita (vide a malta do
Observador) definirão sempre como a falência do Estado e culpando por essa via
quem acaba com a bomba nas mãos, o governo. Não correu bem (mas quem poderia imaginar
que corresse bem?) a coexistência entre técnicos superiores responsáveis pela
memória e pela credibilidade dos serviços e a invasão que essa mesma
administração experimentou vinda dos corredores e das influências partidárias. A
má administração acabou por correr com a boa administração em muitos serviços e
até que a situação se recomponha em termos qualitativos teremos décadas para o
conseguir.
Por isso, receio bem que, em vez de uma silly
season, teremos uma tragic season.
Podemos questionar se as fragilidades do Estado que saíram em sorte ao Governo
atual terão repercussões nas autárquicas. É muito discutível que isso aconteça.
Estaria mais preocupado com alguma sobranceria socialista na abordagem a alguns
municípios.
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