segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ECOS E RUMORES DA CIMEIRA


A cacafonia de reacções à cimeira europeia de 8/9 de Dezembro de 2011, não apenas dos mercados mas também de protagonistas seja do próprio evento, seja do sistema financeiro em geral, confirma o que avançámos na interpretação dos posts de 10 e 11.

A indeterminação de alguns pormenores da decisão assumida e sobretudo a ausência de uma intervenção mais decisiva do BCE têm gerado a proliferação de múltiplas dúvidas sobre o alcance efectivo do acordo intergovernamental.

Mas o que é mais intrigante é que as próprias declarações dos líderes envolvidos sugerem que nem todos saíram da maratona negocial com a mesma interpretação dos factos ou, pelo menos, do rumo de acontecimentos que seria pressuposto a cimeira fazer eclodir. As declarações de Sarkosy ainda em Bruxelas têm gerado uma compreensível suspeição quanto ao entendimento da sequência de efeitos esperados. Pensando provavelmente nas situações da Itália e da Espanha, Sarkosy sugeriu que, na sequência do reforço da posição do BCE, os bancos nacionais estariam em condições de fornecer liquidez adicional aos estados envolvidos. O esquema é em termos gerais o seguinte: na sequência de uma maior flexibilidade na apresentação de garantias junto do BCE, os bancos da zona euro financiar-se-iam a 3 anos junto desta instituição, ganhando com a diferença de taxas entre esse financiamento e as taxas dos títulos de dívida soberana dos respectivos países que tenderiam a adquirir. Mesmo tendo em conta o risco de crédito que o BCE associará à operação, haverá um excedente em proveito do banco nacional da zona euro. Aparentemente tudo fácil e perguntaríamos se foi isto efectivamente que esteve no centro das negociações. As evidências não apontam neste sentido. Tudo se passaria como de repente a credibilidade das dívidas soberanas estivesse por magia restabelecida. Além do mais, a letra parece não bater com a careta, porque essa orientação suscita dúvidas sérias de compatibilidade com a tão falada desalavancagem exigida à banca europeia.

O que é perturbador é que a alusão a este esquema não provém de comentadores ou analistas. É assumida por um dos principais intervenientes na negociação.

Por sua vez, o que se vai ouvindo da parte de protagonistas mais alinhados com a posição alemã contraria frontalmente o voluntarismo de Sarkosy. Quer o governador do banco central da Aústria, quer o próprio Presidente do Bundesbank são claros e taxativos afirmando que a cimeira confirmou que a saída para a crise está no incremento de responsabilidade dos governos.

A convergência dos 23 ou 26 nos resultados obtidos parece assim ocultar um cálculo muito diferenciado quanto ao rumo dos eventos futuros que as decisões tomadas pretendem orientar, o que não deixa de reflectir a extrema fragilidade do acordo obtido.

Mas o trágico de todas estas interpretações cruzadas é que qualquer um dos racionais implícitos na convergência alcançada continua a ignorar o essencial: a fragilidade actual da zona euro resulta da ausência de mecanismos credíveis de ajustamento do fosso entre os permanentemente excedentários e os estruturalmente deficitários. No âmbito de uma zona euro com estas características, não são apenas os países deficitários que devem ajustar (não sendo indiferente como). É também o ajustamento (com diminuição) dos excedentes externos correntes da Alemanha que está em causa. E para este lado do problema não há sequer sinais de que esteja presente nas negociações. Isto não significa, como é óbvio, que a responsabilidade fiscal de economias como a portuguesa não deva ser assumida. Indiscutível. Mas não resolve a raiz do problema. Voltaremos a esta questão.

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