A
cacafonia de reacções à cimeira europeia de 8/9 de Dezembro de 2011, não apenas
dos mercados mas também de protagonistas seja do próprio evento, seja do
sistema financeiro em geral, confirma o que avançámos na interpretação dos
posts de 10 e 11.
A
indeterminação de alguns pormenores da decisão assumida e sobretudo a ausência de
uma intervenção mais decisiva do BCE têm gerado a proliferação de múltiplas dúvidas
sobre o alcance efectivo do acordo intergovernamental.
Mas
o que é mais intrigante é que as próprias declarações dos líderes envolvidos
sugerem que nem todos saíram da maratona negocial com a mesma interpretação dos
factos ou, pelo menos, do rumo de acontecimentos que seria pressuposto a
cimeira fazer eclodir. As declarações de Sarkosy ainda em Bruxelas têm gerado
uma compreensível suspeição quanto ao entendimento da sequência de efeitos
esperados. Pensando provavelmente nas situações da Itália e da Espanha, Sarkosy
sugeriu que, na sequência do reforço da posição do BCE, os bancos nacionais
estariam em condições de fornecer liquidez adicional aos estados envolvidos. O
esquema é em termos gerais o seguinte: na sequência de uma maior flexibilidade
na apresentação de garantias junto do BCE, os bancos da zona euro
financiar-se-iam a 3 anos junto desta instituição, ganhando com a diferença de
taxas entre esse financiamento e as taxas dos títulos de dívida soberana dos
respectivos países que tenderiam a adquirir. Mesmo tendo em conta o risco de crédito
que o BCE associará à operação, haverá um excedente em proveito do banco
nacional da zona euro. Aparentemente tudo fácil e perguntaríamos se foi isto
efectivamente que esteve no centro das negociações. As evidências não apontam
neste sentido. Tudo se passaria como de repente a credibilidade das dívidas
soberanas estivesse por magia restabelecida. Além do mais, a letra parece não
bater com a careta, porque essa orientação suscita dúvidas sérias de
compatibilidade com a tão falada desalavancagem exigida à banca europeia.
O
que é perturbador é que a alusão a este esquema não provém de comentadores ou
analistas. É assumida por um dos principais intervenientes na negociação.
Por
sua vez, o que se vai ouvindo da parte de protagonistas mais alinhados com a
posição alemã contraria frontalmente o voluntarismo de Sarkosy. Quer o
governador do banco central da Aústria, quer o próprio Presidente do Bundesbank
são claros e taxativos afirmando que a cimeira confirmou que a saída para a
crise está no incremento de responsabilidade dos governos.
A
convergência dos 23 ou 26 nos resultados obtidos parece assim ocultar um cálculo
muito diferenciado quanto ao rumo dos eventos futuros que as decisões tomadas
pretendem orientar, o que não deixa de reflectir a extrema fragilidade do
acordo obtido.
Mas
o trágico de todas estas interpretações cruzadas é que qualquer um dos
racionais implícitos na convergência alcançada continua a ignorar o essencial:
a fragilidade actual da zona euro resulta da ausência de mecanismos credíveis
de ajustamento do fosso entre os permanentemente excedentários e os
estruturalmente deficitários. No âmbito de uma zona euro com estas características,
não são apenas os países deficitários que devem ajustar (não sendo indiferente
como). É também o ajustamento (com diminuição) dos excedentes externos
correntes da Alemanha que está em causa. E para este lado do problema não há
sequer sinais de que esteja presente nas negociações. Isto não significa, como é óbvio, que a responsabilidade fiscal de economias como a portuguesa não deva ser assumida. Indiscutível. Mas não resolve a raiz do problema. Voltaremos a esta questão.
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