(Com a devida vénia ao The Vancouver Sun)
Tal como referi no meu último post (20.12.2011), centrado
na entrevista de Mário Draghi ao Financial Times, o dia de quarta-feira (ontem)
foi marcado pela primeira das denominadas operações de financiamento a longo
prazo (empréstimos a 3 anos) concretizada pelo BCE dirigida à banca europeia.
Aparentemente, a operação terá sido um êxito. A procura
excedeu expectativas de analistas atingindo 489 mil milhões de euros,
envolvendo cerca de 523 bancos, superando em mais de cem mil milhões de euros a
operação de 2009, considerada até ao momento a de maior impacto no sistema
financeiro europeu. Ao que se percebe dos dados que foi possível recolher, a
injecção líquida de dinheiro no sistema financeiro terá sido menor do que o
referido montante, já que sensivelmente na mesma data se cumpriam outras operações
de liquidez. Mas se acrescentarmos a esta operação os 28 mil milhões de dólares
que o BCE obteve do Banco da Reserva Federal para injectar na banca europeia,
pode concluir-se que se trata de uma pipa de massa, não esquecendo que se
anuncia uma nova operação deste tipo para Fevereiro de 2012.
Curiosamente, na imprensa especializada está aberto um
debate bastante alargado acerca do impacto que esta operação tenderá a provocar
na situação que afinal interessa debelar e que ultrapassou há muito o simples
estatuto de crise das dívidas soberanas para se confundir com a crise do
sistema bancário europeu e do próprio euro.
Alguns aspectos desse debate merecem atenção:
- Embora o BCE não a assuma verdadeiramente como tal, trata-se de uma operação essencialmente destinada ao sistema bancário europeu; isto demonstra a complexidade apresentada pela situação actual e sobretudo a evidência segura de quanto mais tardia é a solução definitiva mais imbricada ela se torna, cavalgando rapidamente novas dimensões. Daí ter-se chegado à vulnerabilidade da banca como última manifestação do problema: o acesso ao financiamento de mercado por parte da banca europeia foi brutalmente atingido e com essa inibição todo o sistema estaria em risco;
- Discute-se ainda se esta operação não constituirá uma forma disfarçada do BCE concretizar o que permanentemente tendeu a negar: a monetarização da dívida soberana; verdadeiramente, não o é, embora tudo dependa do modo como a banca europeia utilizar estes fundos; injectar na economia real, retomando práticas de crédito ou comprar títulos da dívida soberana, há designadamente espanhóis ou italianos não será totalmente indiferente; mas Gavyin Davies tem razão quando refere que as diferenças entre este tipo de operações e a monetarização das dívidas públicas da zona euro estão cada vez mais nebulosas (http://blogs.ft.com/gavyndavies/2011/12/21/ecb-balance-sheet-sucked-further-into-the-crisis/#axzz1hBd2toZA;
- As reacções do mercado são ainda demasiado frescas para se perceber se as pretensões de Sarkosy e do Banco de França vão ser cumpridas, dando origem a novas compras pela banca de dívida soberana; aparentemente, a reacção em Espanha terá sido melhor do que em Itália, mas são meras intuições;
- Com a lentidão exasperante com que o Instrumento Europeu de Estabilidade Financeiro está a ser montado, não restaria ao BCE outra alternativa; a moeda de troca será a subida bastante acentuada das responsabilidades do BCE, mesmo tendo em conta que a aceitação de títulos colaterais como garantia dos respectivos empréstimos é feita com um desconto à cabeça, e consequentemente a maior exposição do próprio BCE a eventuais insolvências no seio da zona euro.
Mas o que
interessa essencialmente destacar é que a magnitude da operação não garante que
o problema do financiamento à economia real venha a ser superado. A utilização
dos fundos agora disponibilizados para um compasso de espera da banca e sua
posterior aplicação em operações de consolidação interna da sua própria situação
tenderão a diferir significativamente no tempo a produção de efeitos sobre a economia
real.
Resumindo, a
ortodoxia estatutária do BCE continua a impedir uma abordagem consequente à
complexidade da situação. A Presidência de Draghi é seguramente menos monótona
do que a de Trichet. Mas a fidelidade a essa ortodoxia leva a intervenções que
geram por sua vez novas indeterminações. Não será um jogo de soma zero, mas a
aproximação a uma solução convincente é exasperantemente lenta.
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