A longa entrevista de Pedro Passos Coelho (PPC) ao Público de hoje tem mais
conteúdo do que a realizada na SIC com José Gomes Ferreira. Mas foi uma
entrevista reverente. Uma jornalista reverente (Maria João Avillez). A introdução
da entrevista diz tudo. Uma nova mensagem de comunicação começa a emergir: a
resistência do Primeiro-Ministro (com invocação da costela transmontana e
tudo). Um Primeiro-Ministro também reverente, sobretudo em relação à situação
internacional e europeia em particular.
Destaco alguns aspectos que ora exigem acompanhamento atento futuro, ora
confirmam traços de governação.
Entre os primeiros, cabe sobretudo focar a “folga” orçamental trazida para
a cena política não por um inseguro e desautorizado Seguro, mas
fundamentalmente pelas condições concretas em que os fundos de pensões da banca
vão ser transferidos, folga estimada em dois mil milhões de euros. Conviria
esclarecer publicamente os contornos desta transferência. A cobertura do tema
pela comunicação social complicou o que já é, por si só, bastante complexo. Tanta
iliteracia financeira junta que alguém do Governo, banca, sindicatos bancários
ou mesmo Banco de Portugal deve apresentar uma explicação consistente. E aqui a
entrevista não foi muito informativa. Antes havia sido transmitida a ideia de
que a referida transferência iria permitir o pagamento de dívida pública à
banca. PPC fala de pagamentos à economia, proporcionando condições de liquidez
a alguns agentes. Tal como referi em posts anteriores, não é indiferente o modo
como a injecção da “folga” é realizada na economia. Daí a necessidade de
acompanhamento futuro desta ginástica orçamental de última hora.
Entre os traços de governação reafirmados pela entrevista, dois merecem
aqui algum destaque.
Quanto à retórica do crescimento, em amparo de um cada vez mais desamparado
Álvaro Santos Pereira, PPC martelou uma vez mais o tema das reformas estruturais.
Reformas estruturais no sentido mais estrito e doutrinário do termo, isto é,
criação de condições favoráveis a um ambiente de mercado: reforma da
administração pública (onde está ela?) e do sector público empresarial, novo código
de concorrência, legislação no trabalho para investidor estrangeiro ver, questão
energética, justiça. A muito lenta produção de resultados nestas áreas
combinada com a baixa de confiança empresarial induzida não só pela austeridade
interna como pelo espectro da recessão europeia corre o risco da retórica de
crescimento não passar disso. E a par disto não há na entrevista qualquer
perspectiva favorável do problema do crédito à economia ser resolvido, mesmo
sob o ponto de vista do apoio ao sector transaccionável. Preocupação não chega,
sobretudo quando a nível europeu e internacional o risco do “credit crunch” está
ao rubro.
Na frente europeia, a reverência às posições alemãs é defendida com base
numa nuance, a coincidência e não colagem de posições. Sabendo nós, que o
debate europeu será esta semana intenso, com várias interpretações da
chamada “união fiscal” em conflito, nem todas necessariamente benignas,
exigir-se-ia mais clareza de mensagem ao país. Com mandato eleitoral recente,
seria útil conhecer a posição que Portugal defenderá na próxima cimeira
europeia. Escondido nas posições da Senhora Merkel, antevendo uma vitória mesmo
que parcial das suas teses? Na expectativa de tirar partido de eventuais
compromissos gerados pela discussão? O carácter muito vago da entrevista é
pouco confortável. Diria mesmo preocupante.
E o que pensam os deputados portugueses no Parlamento Europeu? Pegando na
ideia de Wolfgang Munchau de hoje (http://www.ft.com/intl/cms/s/0/874af280-1cde-11e1-a134-00144feabdc0.html#axzz1fbo2zJlN),
estarão a fazer o seu trabalho de casa como o deputado inglês (democrata
liberal) Andrew Duff no âmbito da sua proposta sobre uma nova Convenção em matéria
de governação económica da EU (http://andrewduff.eu/en/article/2011/538248/andrew-duff-launches-convention-agenda)?
Gostaríamos de saber.
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