quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A CONTESTAÇÃO CHEGOU A HARVARD


Economics 10 é um conhecido curso de introdução à economia leccionado em Harvard por Greg Mankiw, um economista de larga reputação, que tem tido por suporte as sucessivas edições do Principles of Economics, uma das obras de Mankiw com maior difusão mundial.

Como já assinalei em posts anteriores, o curso de Mankiw foi objecto de contestação no âmbito do prolongamento das actividades do movimento global dos Ocupados, designadamente na área de Boston. O movimento endereçou uma carta aberta a Greg Mankiw (http://hpronline.org/harvard/an-open-letter-to-greg-mankiw/), denunciando o que no seu entender constitui um enviesamento do enfoque proposto pelo curso, considerado demasiado redutor.

Após um período, presume-se de reflexão, Mankiw publicou no New York Times de 3 de Dezembro de 2011, um texto de resposta à contestação de que foi alvo, designado de “Know What You’re Protesting” (http://www.nytimes.com/2011/12/04/business/know-what-youre-protesting-economic-view.html?_r=1&scp=1&sq=Greg%20Mankiw&st=cse). É uma resposta polida, equilibrada, mais paternalista do que pedagógica, que aproveita para esclarecer a dimensão que o protesto revestiu (percentagem de alunos que abandonou a sala no dia do protesto), que é o aspecto menos relevante para os objectivos deste post. ). Para uma posição de defesa do curso, ver http://hpronline.org/harvard/in-defense-of-ec-10/. É mais interessante registar o desabafo de Mankiw que confirma nostalgicamente a generalização nos tempos recentes de uma tipologia de alunos mais interessados na perfeição dos seus apontamentos do que bater-se pela reforma social. Seria oportuno investigar as razões que conduziram a esse padrão de coisas. Certamente que o contexto dos cursos leccionados não ficará de fora da explicação. Mas é sobretudo relevante registar o argumento utilizado por Mankiw, curiosamente trazido de Keynes, sobre o âmbito e limitações da teoria económica: “A teoria económica não fornece um corpo consolidado de conclusões imediatamente aplicáveis às políticas. É mais um método do que uma doutrina, uma ferramenta mental, uma técnica de pensamento, que ajuda quem as utiliza a formular conclusões correctas”.

A invocação de Keynes tem pano para mangas, pois pode ser erradamente interpretada como um convite à não contextualização das propostas de política económica que resultam da teoria. Pode dizer-se que o alvo da contestação talvez não seja o mais certeiro. Haverá manuais de introdução à economia mais enviesados do que os Principles de Mankiw. Seguramente. Mas o que temos de convir é que os cursos de Introdução à Economia, como o Economics 10 de Harvard, são cruciais para marcar uma trajectória de iniciação à disciplina, não sendo por isso indiferente sua organização de conteúdos e sobretudo a atitude que potenciam por parte de quem o utiliza como auxiliar. Não é por acaso que alguns iluminados (e conheço tantos pela minha longa experiência de ensino na Faculdade de Economia do Porto) que, ao mínimo pretexto de revisão de planos de curso, se apressaram imediatamente a suprimir a disciplina de Introdução è Economia, canalizando a frio os alunos para cursos de Micro e Macroeconomia. Pudera. O que mostra que não se trata apenas de métodos ou ferramentas. A formação neste campo não é incompatível com uma visão mais plural quer dos paradigmas económicos, quer dos problemas e contextos reais sobre os quais o cidadão comum espera um contributo dos economistas.

Em meu entender, não se trata apenas de uma questão de manual. Há trabalho a fazer neste campo. Tive o prazer de apresentar há já algum tempo no Porto o Economia (s) de José Castro Caldas e de Francisco Louçã (Edições Afrontamento) que vai nesse sentido e que representa um primeiro contributo. Mas, repito-me, não é apenas uma questão de manual. É de ambiente de curso e de escola que se deve falar, de valorização da capacidade de pensar pela própria cabeça, de honestidade e abertura intelectual, o que nem sempre está garantido. Vem-me à cabeça a vida de alguns anos que teve um manual de ensino da economia para o ensino secundário (que desperdício de tempo lectivo), organizado sob o modelo de divulgação da vulgata marxista, hoje saudavelmente suprimido. O que mostra que, deixada à solta, qualquer vulgata, independentemente da sua orientação, é o pior serviço que se pode prestar a uma saudável e desinibida iniciação à economia.

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