Jornal Público, 15 de Dezembro de 2011
Nuno Crato enterra reforma dos governos de Guterres
Por Clara Viana
O Governo actual tem uma maneira muito particular de
apresentar princípios e estratégias para determinadas políticas públicas. Antes
de tornar públicos documentos orientadores para um amplo escrutínio político,
avança com notícias ou entrevistas, divulga alguns aspectos mas retarda o
conhecimento de outros, o que constitui uma forma pouco canónica de suscitar o
debate público.
De acordo com a notícia em epígrafe, trata-se neste caso
de propor por esta via uma reforma curricular do ensino básico, materializada
na concretização de metas curriculares que substituirão o documento orientador
de 2001, Currículo Nacional do Ensino Básico -
Competências Essenciais.
Não está em causa a possibilidade de um dado governo alterar orientações
de política, desde que tenha mandato democrático para tal. É um facto que em
matéria de política educativa e designadamente ao nível do ensino básico não é
muito recomendável que as orientações estratégicas flutuem ao sabor de uma
constante alternância democrática. Será matéria para debate público que
espera-se venha a ser aberto sobre esta matéria.
Mas o que é relevante para um debate antecipado é um argumento que
ressalta da entrevista e que pretende justificar a opção pelas novas opções
curriculares. Lê-se algures na entrevista que “ao erigir a categoria de ‘competências
como orientadora de todo o ensino, menorizou o papel do conhecimento e da
transmissão de conhecimentos, que é essencial a todo o ensino’, sendo ‘decisivo
que, no futuro, não se desvie a atenção dos elementos essenciais, isto é, os
conteúdos, e que estes se centrem nos aspectos fundamentais’”.
O que parece implícito nesta argumentação é uma abusiva e viciada
interpretação do conceito de competências, o que face à preparação intelectual
do Ministro é pelo menos surpreendente. Pode questionar-se se os últimos tempos
do ensino básico foram um contexto favorável à transmissão rigorosa de
conhecimentos. É matéria para discussão. Mas invocar o conceito de competências
como factor de menorização do papel do conhecimento carece de rigor
intelectual. Os indivíduos e as organizações competentes mobilizam recursos
para a sua própria capacitação em contextos profissionais e de trabalho. A
competência não menoriza o conhecimento, simplesmente considera-o um recurso,
fundamental por certo, a par de outros recursos, comportamentais, técnicos,
instrumentais, etc. Não é a abordagem pelas competências que menoriza o papel
do conhecimento. A ter havido uma perda de rigor ou mesmo menorização da
transmissão de conhecimentos não será por certo a abordagem das competências
que o explica, mas antes as condições concretas de aplicação das anteriores
orientações curriculares.
Convém não ignorar a demonstrada baixa capacidade de resolução de
problemas da população portuguesa escolarizada, que não resulta apenas de
aspectos associados ao rigor da transmissão de conhecimentos. É necessário que
a escola a par do rigor crie condições de aprendizagem compatíveis com as exigências
da sociedade contemporânea.
Outra importante implicação é a da necessária coerência de articulação que
deve existir entre os sistemas educativo e de formação. A dupla certificação e
diferentes formas de transição do sistema educativo para o de formação são
peças incontornáveis da nossa realidade institucional actual.
Com orientações avulsas e sem documentos que permitam antever com clareza
o pensamento global da actual orientação política, os riscos de profunda
desarticulação no interior do sistema educativo e de formação correm o risco de se intensificar. Gostaria de
saber o que pensam os professores desta situação.
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