A dicotomia presente na frase “Interesse Privado / Acção Pública”, do ponto de vista do planeamento urbanístico, encontra expressão muito relevante na problemática da Nova Lei do Solo.
No Encontro Anual da Ad Urbem, que ocorreu no final do mês passado, em Oeiras, e no qual a Quaternaire esteve representada, foram diversos os contributos da comunidade técnico-científica para uma alteração legislativa que se vislumbra difícil, num país em que a grande maioria do seu tecido urbano não foi planeado pela administração pública com tutela na gestão do território.
Com efeito, a actividade planeadora daquela tem sido muitas vezes ineficaz para assegurar a qualidade urbana (em sentido lato). Basta olharmos à nossa volta para o confirmar.
Apesar de uma legislação que muitos dizem ser avançada, o facto é que planeamos muito, mas executamos pouco. Os planos são desenvolvidos com grande empenho de todos, com um extremo controle por parte das instituições com competências sectoriais, com cada vez mais exigências técnicas e envolvendo progressivamente de forma mais sistemática as comunidades locais, mas a sua capacidade de ter efeitos é (ainda) reduzida.
No caso particular dos planos municipais de ordenamento do território, quanto maior é a sua proximidade ao “espaço privado” maiores são as dificuldades que se colocam à sua operacionalização. Afinal, o interesse público que está subjacente à necessidade de estruturar e qualificar os núcleos urbanos esbarra com a propriedade do solo.
O Plano de Pormenor constitui um caso paradigmático da ineficiência do legislador, na medida em que coloca à disposição dos Municípios uma aparentemente valiosa ferramenta de estruturação e qualificação urbana, mas depois não lhes dá todas as condições para prosseguir o seu desígnio.
Para lidar com a problemática da propriedade do solo, impõe-se a aplicação de mecanismos perequação de benefícios e encargos, que constituiem uma forma de restabelecer a equidade prévia, conferindo ainda legitimidade ao seu executor.
Faltam, contudo, referenciais técnicos, legais e morais, para a sua aplicação por parte dos urbanistas. Os municípios têm também que estar devidamente dotados de meios (humanos e financeiros) para estes desafios.
Neste contexto, a Nova Lei do Solo constitui uma oportunidade de excelência para promover uma utilização mais sistemática deste instrumento de planeamento e gestão territorial.
Espera-se que o actual Governo não perca de vista a meta de actualizar a Lei do Solo. E que o processo em curso (veja-se site da DGOTDU) contribua, entre outros aspectos, para:
• contrariar a cultura (ainda enraizada) de direito absoluto de propriedade;
• clarificar os deveres e dos direitos dos proprietários envolvidos em processos de implementação de planos, não só os associados à sua colaboração no processo, mas também na concretização da edificabilidade e na contribuição para os encargos da operação;
• estabelecer critérios de valorização do solo e da edificabilidade;
• promover mecanismos que conduzam a uma contribuição mais realista e justa dos proprietários nos custos de infraestruturação do local, que incluam para além dos de construção, os de manutenção/reforço, bem como inclua uma referência a princípios de partilha desses encargos com a área urbana envolvente;
• reforçar a relação entre os mecanismos da fiscalidade urbanística e os modelos compensação.
Não se pense que estas necessidades são exclusivas dos Planos de Pormenor "de expansão". Aos Planos de Pormenor de Reabilitação Urbana colocam-se precisamente os mesmos obstáculos, ainda que mais na esfera da propriedade horizontal e outros direitos sobre a propriedade.
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