segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

OCCUPY WALL STREET: RAY KACHEL


(Reuters)
Parte da interrupção festiva de Natal foi aproveitada para recuperar algumas leituras atrasadas, designadamente sobre os movimentos OCCUPY. A leitura do vasto material jornalístico que foi publicado sobre os principais movimentos (Londres e Nova Iorque) constitui uma rara oportunidade não só para compreender os públicos envolvidos no movimento, mas sobretudo para tomar contacto com histórias de vida de fragilidade, de atipicidade, de posicionamentos e regimes precários do ponto vista do acesso, permanência e marginalização face ao mercado de trabalho.
A imersão neste conjunto de histórias de vida proporciona uma situação de forte desconforto relativamente à incapacidade do pensamento económico corrente internalizar estas situações de atipicidade face ao mercado de trabalho. A comparação entre os movimentos de Londres e Nova Iorque, ambos focados nos desvarios do sistema financeiro, confirma ainda a profunda complexidade dos mercados de trabalho inglês e americano do ponto de vista dessas situações de atipicidade nas relações de trabalho.
A New Yorker de 5 de Dezembro de 2011, versão impressa, publica uma comovente reportagem centrada no OCCUPY WALL STREET. O título e particularmente o sub-título do artigo (George Packer) são apelativos: “Todas as pessoas iradas – um homem sem trabalho encontra o espírito de comunidade no OCCUPY WALL STREET”.
Praticamente toda a reportagem é construída sobre a história de vida de Ray Kachel. Daí o título deste post. Kachel é um homem de todos os ofícios informáticos, nascido e a trabalhar em Seattle, com uma trajectória anti-social comum a muitos indivíduos que labutam no sector da economia da informação. O impacto da grande recessão de 2008/09 no mercado tecnológico de Seattle leva-o a um processo de precarização progressiva e de delapidação progressiva do seu reduzido património de poupança, incluindo todos os seus gadgets informáticos, alguns deles instrumentos do seu próprio trabalho.
A história da reportagem foca-se na sua crescente atenção à informação proveniente do OCCUPY ALL STREET e à sua progressiva identificação com o movimento, que o levaram algures numa noite de Outubro a instalar-se no Zuccotti Park (Liberty Square). Pelos olhos interpostos de Kachel, a reportagem fornece uma visão impressiva e riquíssima das condições de ocupação até à ocupação militarizada do espaço ocupado. Kachel redescobre o sentido de comunidade mas experimenta também as dificuldades de participação activa no processo de ocupação.
O fim da reportagem é arrepiante. Tendo escapado à ocupação militarizada e desmantelamento do acampamento, algures num banco perto da ponte de Brooklyn, tenta, em vão, no Tweeter obter alguma informação sobre o que iria passar-se após a desocupação. Embora determinado a retomar o contacto com o processo que o aproximou de novo de um sentido colectivo, um pensamento domina aquele seu momento de repouso: estava só, era um sem-abrigo em Nova Iorque.

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