quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

APANHADO NAS MALHAS DO AFINADOR PERFECCIONISTA



Tenho andado às voltas com a volumosa biografia de Steve Jobs, Walter Isaacson, versão portuguesa, aliás pouco cuidada, dadas as múltiplas gralhas que a edição consultada apresenta. Diga-se que não sou propriamente um fan ou seguidor inveterado do falecido Steve Jobs. A biografia interessa-me sobretudo porque nos proporciona um valioso e multifacetado material sobre as condições de contexto que enquadram os diferentes gadgets que fizeram a história da Apple e a marca de Steve Jobs. Aliás, lida sob esta perspectiva de contextualização dos processos de inovação, a biografia é a meu ver indissociável de dois artigos da New Yorker, ambos de autoria de Malcolm Gladwell: “Creation Myth” (16 de Maio de 2011) e “The Tweaker” (14 de Novembro de 2011”). O último artigo inspira aliás o título deste post. A tese de Gladwell é que o génio de Steve Jobs poder-se-ia resumir no estatuto de perfeccionista compulsivo.
A bem documentada investigação de Isaacson sistematiza evidências preciosas para explicar o que tornou possível a aventura de Jobs e Wosniak, parceiro digamos tecnológico de Jobs. Só o ambiente de mudança e liberdade da costa ocidental americana permite situar a vertiginosa erupção de oportunidades no âmbito da qual a ascensão e consolidação do projecto Apple têm de ser compreendidas. É também fascinante a demonstração que a biografia opera das diferenças cruciais entre processos de invenção e inovação. Wosniak é seguramente o génio da engenharia dos projectos iniciais da Apple (digamos o inventor) mas Jobs é quem fareja ou intuiu as oportunidades e concebe o produto a pensar numa tipologia de consumidor. A ambiência descrita mostra também como a oportunidade esteve debaixo do nariz da Xerox PARC, centro de inovação da então Xerox Corporation e que uma administração rígida e não intuitiva frustrou as expectativas dos investigadores internos abrindo o desenvolvimento e concretização da ideia à força simultaneamente inventiva e inovadora da Apple.
Mas hoje o que me interessa focar é a estimulante oposição de posturas e convicções de Wosniak e Jobs. Wosniak tem um espírito de “hacker”, aberto ao desenvolvimento “open source” das ideias. Jobs é o implacável protector de uma ideia e do seu aproveitamento económico e comercial. É muito significativa a luta que se trava entre os dois em torno da concepção do Apple II. Wosniak queria-o aberto à invenção de outros. Jobs não suportava a “sua” máquina invadida por inventores de garagem. A evolução desta querela nos gadgets da Apple tem hoje alguns compromissos, mas não é difícil ver que a posição de Jobs influenciou algumas das mais surpreendentes características dos equipamentos da Apple.
Nestes dias, senti-me mais perto de Wosniak do que de Jobs. A família resolveu presentear-me no Natal com um IPAD2. Por azar meu, não sei se já fruto ou não da morte de Steve Jobs, o aparelho veio com um defeito de fabrico na câmara fotográfica, tornando ilegíveis as fotografias tiradas. Por política, dizem-me, da Apple e fraco poder comercial da FNAC, acrescento eu, estou há uns dias sem IPAD2, esperando uma troca de equipamento com o pagamento já realizado. A marca pelos vistos tem de ser ela a garantir que o equipamento tem defeito de fabrico e exige que seja ela a decidir o que fazer. Arrogância, perfeccionismo ou simplesmente resultado da inexistência em Portugal de uma Apple Store, não sei. Mas seguramente a evidência de que a linha sonhadora e inventiva de Wosniak não venceu, para desgosto de quem começava a ficar entusiasmado com o novo gadget.

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