Tenho andado às
voltas com a volumosa biografia de Steve Jobs, Walter Isaacson, versão
portuguesa, aliás pouco cuidada, dadas as múltiplas gralhas que a edição
consultada apresenta. Diga-se que não sou propriamente um fan ou seguidor
inveterado do falecido Steve Jobs. A biografia interessa-me sobretudo porque
nos proporciona um valioso e multifacetado material sobre as condições de
contexto que enquadram os diferentes gadgets que fizeram a história da Apple e
a marca de Steve Jobs. Aliás, lida sob esta perspectiva de contextualização dos
processos de inovação, a biografia é a meu ver indissociável de dois artigos da
New Yorker, ambos de autoria de Malcolm Gladwell: “Creation Myth” (16 de
Maio de 2011) e “The
Tweaker” (14 de Novembro de 2011”). O último artigo inspira aliás
o título deste post. A tese de Gladwell é que o génio de Steve Jobs poder-se-ia
resumir no estatuto de perfeccionista compulsivo.
A bem documentada
investigação de Isaacson sistematiza evidências preciosas para explicar o que
tornou possível a aventura de Jobs e Wosniak, parceiro digamos tecnológico de
Jobs. Só o ambiente de mudança e liberdade da costa ocidental americana permite
situar a vertiginosa erupção de oportunidades no âmbito da qual a ascensão e
consolidação do projecto Apple têm de ser compreendidas. É também fascinante a
demonstração que a biografia opera das diferenças cruciais entre processos de
invenção e inovação. Wosniak é seguramente o génio da engenharia dos projectos
iniciais da Apple (digamos o inventor) mas Jobs é quem fareja ou intuiu as
oportunidades e concebe o produto a pensar numa tipologia de consumidor. A ambiência
descrita mostra também como a oportunidade esteve debaixo do nariz da Xerox
PARC, centro de inovação da então Xerox Corporation e que uma administração rígida
e não intuitiva frustrou as expectativas dos investigadores internos abrindo o
desenvolvimento e concretização da ideia à força simultaneamente inventiva e
inovadora da Apple.
Mas hoje o que me
interessa focar é a estimulante oposição de posturas e convicções de Wosniak e
Jobs. Wosniak tem um espírito de “hacker”, aberto ao desenvolvimento “open
source” das ideias. Jobs é o implacável protector de uma ideia e do seu
aproveitamento económico e comercial. É muito significativa a luta que se trava
entre os dois em torno da concepção do Apple II. Wosniak queria-o aberto à
invenção de outros. Jobs não suportava a “sua” máquina invadida por inventores
de garagem. A evolução desta querela nos gadgets da Apple tem hoje alguns
compromissos, mas não é difícil ver que a posição de Jobs influenciou algumas das
mais surpreendentes características dos equipamentos da Apple.
Nestes dias,
senti-me mais perto de Wosniak do que de Jobs. A família resolveu presentear-me
no Natal com um IPAD2. Por azar meu, não sei se já fruto ou não da morte de
Steve Jobs, o aparelho veio com um defeito de fabrico na câmara fotográfica,
tornando ilegíveis as fotografias tiradas. Por política, dizem-me, da Apple e
fraco poder comercial da FNAC, acrescento eu, estou há uns dias sem IPAD2,
esperando uma troca de equipamento com o pagamento já realizado. A marca pelos
vistos tem de ser ela a garantir que o equipamento tem defeito de fabrico e
exige que seja ela a decidir o que fazer. Arrogância, perfeccionismo ou
simplesmente resultado da inexistência em Portugal de uma Apple Store, não sei.
Mas seguramente a evidência de que a linha sonhadora e inventiva de Wosniak não
venceu, para desgosto de quem começava a ficar entusiasmado com o novo gadget.
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